Artigo de Opinião
Por: Anabela Melão
Um dos primeiros artigos que os meus dois mais queridos jornais ribatejanos, com os quais tenho a honra de colaborar (o Noticias do Ribatejo e o Jornal Alpiarcence), veio de um texto que escrevi sobre as lutas rurais de 1911 no Ribatejo, sempre a propósito da República. Tentei explicar que o seu (do povo ribatejano) conhecimento do movimento operário é extraordinário, porque, desde o início da República, manteve acesa a sua tradição de luta dos trabalhadores rurais. Ou seja, esta terra teve um proletariado agrícola coeso e consciente da sua força e com um temível poder reivindicativo. A primeira desenvolveu-se em duas frentes afastadas no espaço, a partir do vale do Tejo, desde a Chamusca até Lisboa, com o centro em Santarém, e acabou por ser o exemplo das paralisações e das reivindicações apresentadas em todo o País. Em Santarém, porque, para além de ser a capital, a sua posição junto do rio Tejo lhe exponenciou a sua apetência para o privilegiar como via de comunicação com Lisboa, assim permitindo uma interpenetração entre o proletariado rural e o urbano, cabendo a este um apoio dinâmico e porventura ideológico.
Da história ficou-nos esta possibilidade de demarcar um território como espaço especialmente atingido por uma epidemia de revolta, uma insatisfação com o Poder Central, e a reverência a um povo que acreditou firmemente poder mudar o rumo da História.
Hoje, 1 de Julho de 2010, entram em vigor um conjunto de imposições que resultam de uma crise económica internacional, que imediata e directamente atingiu o País, como um raio que cai nas mãos de Santa Bárbara, sendo que Portugal não conseguiu aqui a força da Santa para paralisar o cataclismo. Com as medidas excepcionais do PEC (que me dispenso de comentar já que a elas tanto têm aludido ambos os jornais da minha preferência) todos veremos a nossa qualidade de vida ainda mais periclitante. Desde as crianças cujos pais olharão para os livros com um ar incrédulo, como que a dizer: “oh! Minha senhora (a da livraria ou a professora), o miúdo precisa mesmo disto tudo?”, sem disfarçar um ar indignado de quem está a pôr um colar de pérolas num focinho de um porco (expressão do meu avô valecavalense e que aqui quer dizer: “isto vale mesmo a pena? O gaiato vai a doutor?”). Aos jovens que teimarão em dizer que se amam e que querem casar e o banco lhes vai negar o crédito para o ninho ou aumentar as prestações que já pagam, a ponto de dizerem um para o outro: “Eh! Pá, vamos é voltar para casa dos velhos senão morremos à fome!”. Aos mais velhos que os vêm regressar, acompanhando este fenómeno da “geração canguru” (como se chama aos filhos que já estão nos trinta, trinta e tal, e não há maneira de abalar!), com um ar contristado. Aos que levam as mãos à cabeça e vêem perdido o sossego merecido, porque atrás dos filhos que perderam a casa vêm os barulhentos netos, de uma intrépida aleivosia, sobretudo se já forem adolescentes. Aos mais velhos que contam euro a euro a distribuição da sua magra pensão aos pequenos que ai hão-de vir por Agosto, dos seus filhos emigrantes (os poucos que ainda haja), ou pelo Natal.
Desta vez, nem que venham aos molhos frente a São Bento, os ribatejanos conseguiriam alterar o rumo “natural” da ressurreição financeira do País. Desta vez, o problema é de todos e ninguém tem o poder de parar as contenções que nos são impostas via Bruxelas.
Poderão ter sido de luta aqueles velhos tempos da greves rurais de 1911, mas era uma época em que se podia culpar o Governo pelas maleitas que assoberbavam o povo, e vai daí vinha-se Tejo acima, direitos a Lisboa, e ah! Escalabitanos dum raio! Toca a demandar! Toca a exigir! Fazem até alguma saudade. Agora, nem uma peregrinação a Bruxelas obteria algum resultado palpável.
Perante isto, oh! Gente da minha terra! Animai-vos. Sois sobreviventes natos. Sois lutadores inquebráveis! Sirvam de exemplo a este povo. Dai-lhes um pouco da força genética com que os deuses vos bafejaram! Ide em frente! Já não virão agricultores em debandada até Lisboa, mas continuais a ser resistentes natos! Esteja um ribatejano no Algarve, em Trás-os-Montes ou e até em Lisboa, ah! Gente danada! Melhores dias virão. Este País precisa da vossa “genica”. A luta é a mesma. Os custos são os mesmos. Mas vocês são mais traquejados na dureza da vida.
Venha daí o sopro do espírito ribatejano! Dai às gentes da urbe as vossas mãos calejadas pelos campos, as vossas peles torradas pelo sol, e o vosso sorriso fresco como a lezíria.
Resistamos! Sobrevivemos! Que cada ribatejano dê a mão a um compatriota e lhe explique de onde lhes vem esta gigante estoicidade em estar e viver, para além das intempéries!
Por: Anabela Melão
Um dos primeiros artigos que os meus dois mais queridos jornais ribatejanos, com os quais tenho a honra de colaborar (o Noticias do Ribatejo e o Jornal Alpiarcence), veio de um texto que escrevi sobre as lutas rurais de 1911 no Ribatejo, sempre a propósito da República. Tentei explicar que o seu (do povo ribatejano) conhecimento do movimento operário é extraordinário, porque, desde o início da República, manteve acesa a sua tradição de luta dos trabalhadores rurais. Ou seja, esta terra teve um proletariado agrícola coeso e consciente da sua força e com um temível poder reivindicativo. A primeira desenvolveu-se em duas frentes afastadas no espaço, a partir do vale do Tejo, desde a Chamusca até Lisboa, com o centro em Santarém, e acabou por ser o exemplo das paralisações e das reivindicações apresentadas em todo o País. Em Santarém, porque, para além de ser a capital, a sua posição junto do rio Tejo lhe exponenciou a sua apetência para o privilegiar como via de comunicação com Lisboa, assim permitindo uma interpenetração entre o proletariado rural e o urbano, cabendo a este um apoio dinâmico e porventura ideológico.
Da história ficou-nos esta possibilidade de demarcar um território como espaço especialmente atingido por uma epidemia de revolta, uma insatisfação com o Poder Central, e a reverência a um povo que acreditou firmemente poder mudar o rumo da História.
Hoje, 1 de Julho de 2010, entram em vigor um conjunto de imposições que resultam de uma crise económica internacional, que imediata e directamente atingiu o País, como um raio que cai nas mãos de Santa Bárbara, sendo que Portugal não conseguiu aqui a força da Santa para paralisar o cataclismo. Com as medidas excepcionais do PEC (que me dispenso de comentar já que a elas tanto têm aludido ambos os jornais da minha preferência) todos veremos a nossa qualidade de vida ainda mais periclitante. Desde as crianças cujos pais olharão para os livros com um ar incrédulo, como que a dizer: “oh! Minha senhora (a da livraria ou a professora), o miúdo precisa mesmo disto tudo?”, sem disfarçar um ar indignado de quem está a pôr um colar de pérolas num focinho de um porco (expressão do meu avô valecavalense e que aqui quer dizer: “isto vale mesmo a pena? O gaiato vai a doutor?”). Aos jovens que teimarão em dizer que se amam e que querem casar e o banco lhes vai negar o crédito para o ninho ou aumentar as prestações que já pagam, a ponto de dizerem um para o outro: “Eh! Pá, vamos é voltar para casa dos velhos senão morremos à fome!”. Aos mais velhos que os vêm regressar, acompanhando este fenómeno da “geração canguru” (como se chama aos filhos que já estão nos trinta, trinta e tal, e não há maneira de abalar!), com um ar contristado. Aos que levam as mãos à cabeça e vêem perdido o sossego merecido, porque atrás dos filhos que perderam a casa vêm os barulhentos netos, de uma intrépida aleivosia, sobretudo se já forem adolescentes. Aos mais velhos que contam euro a euro a distribuição da sua magra pensão aos pequenos que ai hão-de vir por Agosto, dos seus filhos emigrantes (os poucos que ainda haja), ou pelo Natal.
Desta vez, nem que venham aos molhos frente a São Bento, os ribatejanos conseguiriam alterar o rumo “natural” da ressurreição financeira do País. Desta vez, o problema é de todos e ninguém tem o poder de parar as contenções que nos são impostas via Bruxelas.
Poderão ter sido de luta aqueles velhos tempos da greves rurais de 1911, mas era uma época em que se podia culpar o Governo pelas maleitas que assoberbavam o povo, e vai daí vinha-se Tejo acima, direitos a Lisboa, e ah! Escalabitanos dum raio! Toca a demandar! Toca a exigir! Fazem até alguma saudade. Agora, nem uma peregrinação a Bruxelas obteria algum resultado palpável.
Perante isto, oh! Gente da minha terra! Animai-vos. Sois sobreviventes natos. Sois lutadores inquebráveis! Sirvam de exemplo a este povo. Dai-lhes um pouco da força genética com que os deuses vos bafejaram! Ide em frente! Já não virão agricultores em debandada até Lisboa, mas continuais a ser resistentes natos! Esteja um ribatejano no Algarve, em Trás-os-Montes ou e até em Lisboa, ah! Gente danada! Melhores dias virão. Este País precisa da vossa “genica”. A luta é a mesma. Os custos são os mesmos. Mas vocês são mais traquejados na dureza da vida.
Venha daí o sopro do espírito ribatejano! Dai às gentes da urbe as vossas mãos calejadas pelos campos, as vossas peles torradas pelo sol, e o vosso sorriso fresco como a lezíria.
Resistamos! Sobrevivemos! Que cada ribatejano dê a mão a um compatriota e lhe explique de onde lhes vem esta gigante estoicidade em estar e viver, para além das intempéries!
Sem comentários:
Enviar um comentário