Sempre acreditei que se escreve para os outros e, para mim, cada leitor é um amigo em embrião, que cresce, se desenvolve, e se torna parte de mim. Espero que não se choque com o meu discurso, mas sou mulher, logo intuitiva, sou taurina, logo voluntariosa, e sou maçon, logo inquietante.
Percebo a sua preocupação quando se vive num mundo em que a única assinatura que parece validar o que somos é a do cartão de crédito, como se, ao entreabrir a carteira, se medisse um homem. Não é esse mundo de “ter” que procuro, anseio pelo mundo do “ser”. Não que aspire à indigência, gosto do estético, de arte, de cultura, e isso carece de algum conforto económico que não enjeito. Mas conquisto a materialidade de que preciso à minha própria custa, sem pisar ninguém, sem desvios comportamentais, sem fuga às regras. Um maçon é um homem de bons costumes, e lembre-se que, de entre os maçons, tal como de entre os cristãos, muitos os haverá que “nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus” (salve a analogia, claro). O grupo não responde pelo indivíduo. Mas cada um responde por si! A ética e a consciência são algo intrinsecamente pessoal.
Ficaria surpreendido se soubesse quantos se dizem maçons, não têm, não a podem assumir ou até perderam tal qualidade. Conhece casos de repreensões na Opus Dei também os há na Maçonaria. Ambos tratam-se “em casa”.
Por mim, sou o mais contra possível em subir à conta dos outros e saiba que nunca o fiz. Assumi-me maçon depois dos quarenta anos, depois de ter feito o meu próprio percurso pessoal e profissional. Ficará até admirado por saber que fiz parte da equipa de gabinetes ministeriais conotados com a Opus Dei (por certo, não desconhece que esta e a Maçonaria se têm como “escolas” antagónicas).
Fui aconselhada, num dos cargos públicos que ocupei, a “adaptar-me”, a “deixar de me comportar como uma virgem num bordel.” (ipsis verbis). Tinha acabado de sair de uma relação de vinte anos, tinha trinta e sete anos, duas ou três malas e duas filhas. Interpretaram-no como uma fragilidade. Noutro cargo, diziam-me que era na “horizontal” que se crescia e que a minha verticalidade me tombaria. Respondi que as árvores morrem de pé.Sou alguém que tenho o direito e o dever de “ser”, embora enfrente a tangibilidade do “ter”. Criadas as filhas, preciso de menos “ter” e de “ser” mais. Carrego o nome do meu avô, do meu pai e da minha mãe (Melão, podia ser mais alpiarcense?). E levo-o em braços com orgulho. Por isso, pedi ao António Centeio que me deixasse colaborar com o jornal. Por quero “ser” e ir de encontro a quem sou. Às minhas raízes. Sou co-fundadora da Academia de Estudos Laicos e Republicanos e, em breve, estarei aí a falar-vos sobre o sonho republicano, feito por maçons. Por … nem um cêntimo.
É que se há património que quero deixar às minhas filhas não é o “ter”. É o “ser”. O ter e o haver hão-de provir-lhe da educação, do esforço, da aplicação e do empenho.
Deixo-lhes o toque de Midas, visto sui generis. Tratar os sentimentos como se fossem de oiro. Construir uma Caverna de Ali-Babá: onde todos os homens partilhem tudo como irmãos. Que o oiro sirva de escravo a cada homem. Que lhe seja útil para gerar confortabilidade, qualidade de vida, acesso à essencialidade do ser (a até a algum ócio criativo), cumplicidades solidárias, alimentar causas, financiar feitos maiores e “golpes de asa”.Quero que um dia digam: “Pedras no caminho guardo todas um dia vou construir um castelo!”
Por: Anabela Melão, Co-fundadora da Academia de Estudos Laicos e Republicanos
Saiba mais em: Acredito no homem livre,sonhador,utópico e que cresce pelo seu esforço, trabalho...
2 comentários:
Tenho por hábito ler praticamente todos os artigos de opinião, comentários etc.
Confesso que, por vezes, fico impressionado pela positiva, com a qualidade de alguma matéria aqui desenvolvida graciosamente, com muita mestria e experiência de vida.
Não vou aqui referir nomes para não ferir susceptibilidades mas, uma coisa é certa, este blogue - jornal conta com pessoas de grande nível que em nada ficam a dever a muitas personalidades bem pagas pela chamada grande imprensa por darem meia dúzia de meras opiniões, tantas vezes de fraco substrato intelectual.
Parabéns a todos os colaboradores.
Muito agradável ler os seus trabalhos. Posso não concordar com tudo que escreve. Mas é muito directa, muito acessível a sua linguagem. Esta de parabéns o JA ter uma colaboradora assim. No entanto se me permite, gostaria de lhe fazer um reparo. Seus trabalhos sendo muito bons, pecam pela extenção. Hoje na vida moderna não existe muito tempo para a leitura. Estamos já na era do twiter. Mas continue nos deliciando com os seus maravilhosos textos.
Um seu admirador
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