Nuno da Câmara Pereira diz que se sentiu pequenino (mais exactamente "do tamanho de uma pulga") quando, em 2005, entrou como deputado na Assembleia da República (AR). "Dizendo cá para os meus botões: Nuno, nunca imaginaste, mas olha onde chegaste."
Membro do Partido Popular Monárquico (PPM), o fadista integrou as listas do PSD às legislativas. O que tanto o fascinou foi não só a imponência de São Bento como a história que o Palácio já testemunhou. Ou talvez um ponto particular, que sublinha - "O Parlamento não foi inventado pela República, é de 1820."
Ao longo dos últimos quatro anos, só por cinco vezes se ouviu no plenário da AR a voz de Nuno da Câmara Pereira. Nada que o incomode muito. "As intervenções são a actividade menos importante que um deputado tem na AR. 90% não são ouvidas . E é normal que não sejam. Quantos milhares de horas se fala no Parlamento durante uma legislatura?" Ainda assim, avança uma explicação: "Quando há um maestro e uma orquestra é natural que o homem da corneta não faça um lá quando toda a gente espera um si menor." Ou numa versão menos musical e mais explicativa: "A capacidade de intervenção individual é limitada."
Quatro anos e meio depois, o fadista diz ter ganho uma convicção - "Há leis que se fazem sem tempo de maturidade." Apesar dos reparos, defende que "a maior parte das críticas à AR são por desconhecimento e alheamento". O balanço próprio fica a meio caminho: "Nem um santuário, nem o inferno que o pintam."
Quinta-feira, nove de Julho, 15.40. "Senhor Presidente: Esta é a intervenção mais difícil que farei neste plenário." Começou assim e acabou com a voz embargada a última intervenção de Diogo Feio no plenário. De partida para o Parlamento Europeu, o deputado despede-se: "Estou já com saudades! A minha saudade é tanta que até já a sinto das votações do Orçamento!" Ouvem-se risos na sala - a votação do Orçamento será muita coisa, mas divertida não.
É dia de despedida, mas Diogo Feio lembra--se bem do dia em que chegou. "Era uma segunda-feira" e o recém-deputado estava ali para "ver e aprender". Passadas poucas horas estava na televisão a "debater o programa do Governo com Louçã, Jorge Neto, Pina Moura e Lino de Carvalho". No dia a seguir trocava argumentos com o primeiro-ministro. "Entrei logo no filme. E só me fez bem!"
Entrar no Parlamento implica exposição mediática, intervenções no espaço público, e ou se tem ou se cria capacidade retórica. Ser professor e advogado ajuda. "Não pensar muito nisso" também. O resto só a experiência ensina: "Os dramas de um parlamentar quando está a falar são as brancas e enredar-se nas palavras. Quando não sai, não vale a pena insistir. É andar para a frente."
Diogo Feio contesta que se trabalhe pouco na AR. Relembra os dias de líder parlamentar, uma função para "sete dias por semana", de manhã à noite - mas "com telemóvel no silêncio" durante os jantares com a família. Agora terá mais jantares e menos telefonemas: Depois de anos passados de terça a sexta em Lisboa e ao fim-de-semana no Porto, a mulher e os filhos também rumam a Bruxelas. As saudades ficam para São Bento: "Onde estiver, estarei a defender o Parlamento!"
Nos últimos quatro anos e meio os dias de trabalho de Sónia Sanfona começaram com os 100 km que separam Alpiarça de Lisboa. E acabaram com os mesmos 100 km de volta - nos últimos tempos, com a comissão do BPN, à meia-noite ou uma da manhã. Não é uma queixa, serve para uma constatação: "As pessoas estão habituadas a olhar para os deputados como tendo uma vida à parte do que é vida das pessoas em geral. Não é assim. Tenho um empréstimo para a casa como toda a gente... Somos cidadãos iguais aos outros". Com dois filhos de oito e nove anos, também aqui Sónia Sanfona diz ter "as mesmas angústias e os mesmos problemas de todas mães", quando saem de casa com os filhos ainda a dormir e chegam a casa com os filhos já a dormir. "Às vezes chego ao fim do dia a pensar que precisava de mais doze horas para fazer tudo. Mas sinto-me compensada, ainda consigo ter a sensação de que presto um serviço."
Estreante na AR, Sónia Sanfona ascendeu entretanto à vice-presidência da bancada do PS, mas acabou a legislatura sob críticas cerradas, devido ao relatório sobre o caso BPN. Diz que "não é fácil aprender a lidar com isso" - "Há pessoas que fazem críticas construtivas, aceito-as muito bem. Mas há pessoas que fizeram considerações sobre mim própria, sobre o meu nome, que não me conhecem de parte nenhuma, não sabem o que tem sido o meu trabalho."
José Soeiro tem uma particularidade: é o único que regista como profissão, na biografia dos deputados, a de agricultor. É certo que a prática já lá vai: desde 1977 que é funcionário do PCP. Ficou a relação: é ainda hoje o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja. É lá que ainda vive, de sábado a segunda. O resto da semana é passado em Lisboa: por norma das nove da manhã à nove da noite na AR. Não é raro levar trabalho para casa - a mesma onde vivem Jorge Machado e Honório Novo, deputados do PCP também "deslocados" da terra de origem.
À constatação de que o trabalho parlamentar não tem boa imagem, Soeiro contrapõe que há que distinguir quem faz o quê e apela a que se participe mais. Garante que faz a diferença. E exemplifica: "Um utente do SNS teve o diagnóstico de um tumor e estava na lista de espera. Escreveu ao presidente, primeiro-ministro, partidos. Liguei-lhe, telefonei para o centro de saúde, para o hospital, concluímos que havia um problema de articulação. Pedimos explicações ao ministério, que corrigiu o problema. O gesto daquele cidadão não resolveu só o problema dele. Prestou um serviço à comunidade."
«DN»
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