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quinta-feira, 17 de abril de 2014

OPINIÃO: Crescer muito cansa

Por:  Isabel Faria
Não cresci numa família católica. A minha mãe sempre foi católica, mas sempre foi a única lá em casa.

Não tenho, pois, muitas memórias desta semana…como não tivemos televisão até muito tarde nunca tive que ver as emissões continuas da Última Ceia e da Paixão de Cristo e só dávamos pela Páscoa lá em casa, antes do Domingo de Páscoa em que íamos almoçar a casa dos avós, porque a minha mãe não fazia carne na Sexta Feira Santa (ela não comia toda a semana…mas o meu pai e eu éramos demasiado ateus  e comilões  para tal sacrifício)  e porque a minha mãe não fazia limpezas, nem lavava roupa, nem ia à horta do nosso quintal, na Quinta feira à tarde e Sexta de manhã. E recordo ouvir histórias assustadoras sobre desgraças que tinham acontecido a quem pecara e apanhara uma couve ou caiara a parede de casa... Ouvia-as com um sorriso. …e o meu pai, perguntava, o que é que queres, coisas da tua mãe…Mas, pelo sim, pelo não, nunca ia apanhar couves naqueles dias…o que era óptimo para quem nunca teve muita queda para o trabalho do campo…

Lembro-me que um ano, não faço ideia quando mas deve ter sido já muito perto do 25 de Abril, talvez 72 ou 73, estavam os meus pais emigrados em França, entrei num coro da Igreja com amigas e colegas…mas, confesso que só me lembro dos rebuçados que o Padre nos dava para aclarar a voz, de ter estreado um macaco castanho de calções um bocado curto… e de me terem dito que aquilo não era próprio para cantar no coro da Igreja…apaixonadíssima pelo macaco, e um bocado teimosa, qualidade e defeito que mantive ao longo dos anos, decidi logo ali que ou ia com ele vestido ou acabava-se o meu momentos de participação em cerimónias religiosas…fui de macaco. A participação terminou na Segunda-feira a seguir à Páscoa…mas, ainda há muito pouco tempo, sabia cantar o Aleluia...com letra e tudo. E não era a do Leonard Cohen…era mesmo a que o padre nos tinha ensinado.

E da Páscoa ficaram cheiros. O cheiro ao frango corado e ao arroz de forno da avó Inês no Domingo (nunca mais houve nem haverá um arroz de forno assim!) e o cheiro às bolachinhas de manteiga da minha mãe. Ao Sábado já se podia trabalhar e eu sentava-me num banco de madeira com um buraquito ao meio, tinha que colocar os pés na trave de madeira porque não chegava ao chão e estava sempre a abanar os pés e a minha mãe dizia, nunca paras quieta rapariga, e enquanto falávamos da vida que, na altura, era a escola e mais as galinhas e os coelhos e o meu pai, fazia bolinhas que, cuidadosamente, colocava no tabuleiro…Não faço ideia porque tínhamos que comer bolachinhas de manteiga na Páscoa…mas tínhamos. Para mim foi sempre um dogma doce…e, por isso, inquestionável.

Até a minha mãe partir tivemos sempre as amêndoas e as bolachas de manteiga à nossa espera quando íamos a Alpiarça. Mas a vida há muito que me tinha tirado tempo para com ela fazer as bolinhas…Coisas parvas da vida. Quando, finalmente, crescemos para chegar com os pés ao chão e a nossa mãe não ralhar porque somos desinquietos…deixamos de ter tempo para com ela falar das galinhas e dos coelhos do quintal.

Depois, um dia, já não temos nem amêndoas nem bolachinhas de manteiga à nossa espera quando vamos à terra. E o frango corado sabe a tudo, menos  ao frango corado da nossa Páscoa de meninos.  Crescer muito cansa. 

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