Por: Isabel Faria |
Este ano o Carmo esteve cheio como um ovo.
Era impossível chegar perto de algum amigo ou companheiro que estava a 3 metros
de nós. No Carmo, como em todas as comemorações dos 40 anos de Abril (das
genuínas, das sentidas, não das hipócritas feitas pelos que o assassinam),
sentia-se um sabor a despedida que nos amargura. Mas também, ainda e sempre,
nos desafia.
O lugar onde o regime se rendeu, estava
cheio como um ovo e a esmagadora maioria dos que ali estavam eram homens e
mulheres que não só viveram aquele dia, como ainda viveram alguns dos dias do
regime fascista que, ali, há 40 anos, terminou. E é essa evidência que ao mesmo
tempo que nos assusta e nos emociona, nos faz gritar mais alto. Há muito que
não se gritava tão alto no Carmo. Cada um de nós que ali esteve, tenho a
certeza, sentiu o enorme e avassalador peso da falta de tempo. E da sua perda.
Já não temos mais 40 anos para passar o testemunho. Penso que todos sentimos
que nem 5, quanto mais 40. Já não temos mais 40 anos para perder. Penso que
todos sentimos que nem 1 quanto mais 40.
Confesso
que, por momentos, ouvir Vasco Lourenço ainda me levou (como sempre aconteceu
ao longo de 39 anos) àquela noite de Novembro em que ele e muitos outros
abriram as portas à derrota de Abril. Mas durou pouco. A um dado momento na sua
intervenção, ele dizia que os que hoje vendem o País e nos matam em vida, foram
os derrotados de há 40 anos. E essa certeza impregna-se em cada um e em todos
os nós. Se durante muitos anos a batalha se travou entre o 11 de Março de 1975
e o 25 de Novembro de 1975, hoje a batalha imediata é, sem nenhuma dúvida entre
o 25 e o 24 de Abril de 1974. E talvez fosse esse também o cheiro a despedida
que passava no largo onde Salgueiro Maia nos abriu as portas da democracia:
passou o tempo em que era possível meios termos e meias revoluções. E até
os homens que, num dado momento do processo histórico, por opção politica ou
sentido de classe, acharam que era possível fazer uma revolução suave, sem
exageros nem confronto, hoje sabem que esse tempo morreu.
No final da intervenção, o Zeca e todos nós cantámos a Grândola. E
terminou-se com o Hino. E, tal como naqueles dias de há 40 anos, aposto,
ninguém se preocupou se as palavras da Portuguesa são nacionalistas,
conservadoras ou nem por isso…cantou-se o Hino com a convicção que somos um
País ocupado e com a força de quem ainda não desistiu de voltar a ser um País.
Livre.
Nem todos os que ali estivemos querem
fazer o mesmo País. Mas todos sabem que há, de novo, que fazer um País.
A meu lado, um senhor bem mais
velho que eu, dizia, de voz embargada pela emoção “daqui a 10 anos já não vou
estar aqui”…olhou para um menino da idade que o meu filho tinha quando um
dia fez um desenho do 25 de Abril e colocou um Sol no cano da espingarda, e
disse aos pais do menino “ Mas ele vai estar. Prometam que não se
esquecem disso!”. Prometemos todos. Agora falta cumprir
Sem comentários:
Enviar um comentário