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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Alpiarça a concelho. Os obstáculos políticos

Por: José João Pais
Vou continuando a dar aos leitores que gostam da história local mais um extracto do livro “Alpiarça, um concelho da República”, cujo parto se efectuará a 5 de Abril.
Os concelhos são a mais antiga forma de divisão administrativa existente em Portugal. Por isso, escrever sobre os concelhos é contar a história de Portugal e dos Portugueses, é uma forma de identificar o nosso país, como nos ensina José Mattoso.
A caminhada de Alpiarça em direcção à autonomia administrativa fez-se no século XX. 
Não foi um caminho fácil. Diremos mesmo, utilizando a linguagem popular, que foi um concelho “tirado a ferros”. Tudo se conjugava para que isso não fosse possível. Outras freguesias já o haviam tentado sem sucesso, casos de Sº Brás de Alportel, Bombarral, Alcanena, Ribeira Brava, Sines, Castanheira de Pêra, entre outras.
De facto, a partir de 1832, com a reforma administrativa preconizada por Mouzinho da Silveira e seguida, entre outros, por Passos Manuel, a regra foi a redução de concelhos e não o seu aumento. Em 1836 e nos anos seguintes, por via da extinção dos forais, os concelhos são reduzidos de 817 para 351 e, em 1910, esse número rondaria os 270. Os pequenos concelhos, incapazes de se governarem por si próprios, foram sendo extintos. Estou a lembrar-me, por exemplo, de alguns concelhos no Ribatejo que viram o seu fim nesta altura, como foi o caso de Ulme, Alcanede, Muge, Montargil, Pernes e Aveiras.
Até aos finais da primeira década do século XX essa ideia manteve-se. De facto, entre 1837 e 1910, menos de meia dúzia de freguesias obtiveram autonomia administrativa. E no período que vai de 1910 e 1914 só a Nazaré o conseguirá. E, neste caso, estava apenas em causa a mudança do nome do concelho. Em 1912 deixava de ser concelho de Pederneira, passava a denominar-se concelho da Nazaré.
À política que vinha a ser seguida de não estimular a criação de novos concelhos, acrescentava-se, em 1914, o facto de estar em discussão um novo código administrativo. Mas o novo código administrativo nunca passou das discussões. Assim, os primeiros governos republicanos, na falta de legislação nova, adoptam o Código Administrativo de 1878, o chamado Código de Rodrigues Sampaio, a que se foram acrescentando várias normas introduzidas pela Lei número 88, de 1913, que regulava a organização dos municípios, o seu funcionamento, as suas atribuições e respectivas competências (Henriques, 2006, p. 45). Desta maneira se manteve, com poucas alterações até ao fim da 1ª. República, o famoso “quase” Código Administrativo. 
Esta situação dava ensejo às interpretações mais diversas, conforme as conveniências em jogo, como veremos no caso de Alpiarça. Havia, no entanto, quem pensasse que esta legislação era fundamental para uma boa administração do país. O deputado João de Meneses não tinha dúvidas quanto às leis que deveriam ser prioritariamente discutidas e votadas. Dizia ele: “ Estou, talvez, dizendo uma heresia, mas importo-me menos com uma Constituição do que com uma reforma administrativa e uma lei eleitoral...
Sem uma grande reforma administrativa, sem uma lei eleitoral honesta, a República Parlamentar, tal como a Monarquia Constitucional, será uma mentira”. 
Assim, os mais cépticos e desiludidos, relativamente ao rumo que o novo regime trilhava e às inúmeras discussões políticas inconclusivas, ou que feriam o ideal republicano, diziam que Portugal, em vez de uma República Parlamentar, tinha uma República “para lamentar” (Wheeler,1978, p94). 
Para a criação de novos concelhos, que é a nossa questão essencial, a proposta da comissão nomeada por António José de Almeida para redigir o novo Código Administrativo, dizia o seguinte:
“A criação de novos concelhos dependerá dos seguintes requisitos:
1 – Se fôr requerido por 2 terços, pelo menos, dos eleitores da paróquia, ou paróquias, que a pretendam.
2 – Ficar o novo concelho composto, salvo casos extraordinários, de 4.000 habitantes, o mínimo.
3 – Mostrar que disporá dos meios de receita indispensáveis para a satisfação integral dos encargos obrigatórios”. 
Mas este enunciado era apenas uma proposta de trabalho. À volta destes artigos havia diferentes opiniões no Parlamento. Por exemplo, na comissão do Senado entendia-se que, para se criar um concelho, seria necessário haver pelo menos 10.000 habitantes, mas na comissão da Câmara de Deputados esse número descia para 4.000 habitantes. O consenso não existia nesta matéria, cuja definição era essencial. Alpiarça tinha então 6.600 habitantes, o que, a ser aprovada a proposta do Senado, inviabilizava o seu desejo de ser concelho. Os defensores da criação do concelho de Alpiarça argumentam, a seu favor, com a proposta já aprovada entre os deputados. Mas, a lei só teria validade após a aprovação pelas duas câmaras, a de Deputados e Senado. O que não era o caso ainda, nem se previa quando pudesse acontecer. Aliás, nunca viria a acontecer.
Mas havia outro obstáculo à criação de novos concelhos. O acréscimo de despesas, que naturalmente a criação de um concelho originaria, era proibido pela chamada “lei-travão”, de 15 de Março de 1913, que impedia qualquer aumento de despesa para além do que estava em Orçamento Geral do Estado. Por causa desta lei, muitas freguesias tinham visto as suas pretensões rejeitadas, como era o caso de Sº Brás de Alportel e Bombarral, por exemplo.
Outro grande obstáculo era a permanente agitação política que se vivia no país. Os governos sucediam-se. O Parlamento era palco de atribuladas discussões. 
O cenário não era, pois, animador para as pretensões alpiarcenses. Mas, para os promotores do novo concelho não havia obstáculos intransponíveis. O projecto vai mesmo em frente e é apresentado na Câmara de Deputados. Acreditava-se que o passado liberal e republicano da vila falasse mais alto durante as votações. Acreditava-se que as figuras mais influentes de Alpiarça pudessem tornear qualquer obstáculo político ao desenlace feliz da pretensão. José Relvas, neste aspecto, era a grande esperança. Contava-se também com o apoio fundamental do Partido Democrático. Mas, de facto, o caminho não se apresentava fácil. Verificaremos ao longo do livro como é que os obstáculos, cujo rosto visível no Parlamento eram protagonizados pelos deputados e senadores do Partido Evolucionista

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