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domingo, 7 de outubro de 2012

O caminho estreito chegou ao fim?



 1. Um terço das famílias portuguesas vai pagar o astronómico aumento de IRS. Dos mais de 4,5 milhões de agregados que entregam declaração, dois terços não tem rendimentos suficientes para pagar imposto ou então pagam uma quantia residual. Ficam justificadamente fora do saque. O restante milhão e meio de famílias - as classes média e alta - vai suportar um aumento do imposto avaliado em 3.300 milhões de euros. São 2.200 euros de IRS a mais por família durante o próximo ano. A maior parte delas não tem condições para acomodar um embate destes sem fortes danos sociais. Vamos dizer adeus a uma boa parte da classe média.
2. Para muitos trabalhadores do sector privado este vai ser o primeiro grande embate da austeridade com efeitos permanentes (o corte de meio subsídio de Natal do ano passado foi excepcional e os aumentos do IVA têm um efeito muito mais suave nos orçamentos familiares). O impacto da medida nas expectativas fará com que o consumo caia muito mais do que o corte dos rendimentos disponíveis. A espiral recessiva é uma ameaça credível.
3. A austeridade e a troika tornaram-se incontornáveis pelas razões que já todos conhecem. Mas nem todos estão a contribuir da mesma forma. Os cidadãos estão a fazer a sua parte e muito mais depressa do que lhes foi pedido. Entregam uma parte dos salários e pagam muito mais impostos. Cortam no consumo e aumentam a poupança. Uma grande parte do mérito do rápido ajustamento externo - balança comercial equilibrada e défice externo quase a zeros - deve-se a eles. A outra parte deve-se às empresas exportadoras. Adivinhem quem falta aqui: o Estado, pois então. Os cortes na despesa são sobretudo nos salários e nas prestações sociais. As gorduras, a mega-estrutura burocrática, a metade do Estado que trabalha para a outra metade, continuam intactos, grosso modo. É um escândalo que só agora, na próxima avaliação da troika que está marcada para o final de Novembro, a despesa e as funções do Estado sejam o tema principal, porque este era o único contributo benigno para o ajustamento. A falta de acção e de uma estratégia visível nesta matéria são a grande falha deste governo. O Estado não pode continuar a ser a incineradora de dinheiro dos contribuintes em que foi transformado. Cada mês que passa sem que este problema seja devidamente atacado significa muitos meses de adiamento do crescimento económico, da decência social, da liberdade financeira e da qualidade democrática
Por Paulo Ferreira/DV

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