Por: José João Pais |
A propósito do meu desabafo sobre a pouca visibilidade que
teve a comemoração dos 90 anos do clube, acho oportuno contribuir para que essa
memória seja de facto fixada, vivida, lembrada e conhecida. Dá-la a conhecer a
todos é a minha forma de comemorar.
Vamos então dar a nossa contribuição para que o passado não
seja esquecido, como aliás foi minha intenção ao escrever “A História do Ciclismo em Alpiarça”.
Em 1922, um grupo de pessoas juntou-se com o objectivo de
formar uma associação onde se pudesse praticar desportos ao ar livre, principalmente
o futebol. De reunião em reunião, nasceu em 1 de Outubro de 1922 o Alpiarça
Foot-Ball Club “Os Águias”.
Foram fundadores os seguintes Alpiarcenses: Joaquim
Francisco Calado, Joaquim Pereira Almeida, João Mendonça Avelar, João Pinhão,
José Pinhão, Adolfo Fernandes, António da Silva, Manuel Maria carolo, Frederico
Narciso, Francisco Tendeiro Gameiro, Francisco Pimentel, António Infante
Parreira e Renato Pinhão.
De facto, a 6 de Novembro de 1922, o jornal O Sport inseria uma notícia do seu
correspondente em Alpiarça que dizia o seguinte: “um grupo de rapazes desta
vila resolveu fundar um club de sport, cuja prática principal é o futebol.
Brevemente realizar-se-á o primeiro desafio. Também está em organização um
outro clube que pensa dedicar-se ao atletismo, tennis e box”.
O futebol já vinha a ser praticado por alguns jovens,
nomeadamente, Antero Malhou (Zamora), João Catarino Duarte, Raul Catarino
Duarte, Dr. Mário Avelar, Fernando oliveira Coimbra, Renato Pinhão, Dr. Raúl
José das Neves, Manuel Duarte (Lélé), Júlio Malhou da Costa, Manuel Tendeiro,
Joaquim Almeida Pereira, Adolfo Fernandes, João Avelar, Joaquim Durão (filho) e
Joaquim Francisco Calado. Serão eles os primeiros e principais entusiastas na
formação da nova associação desportiva a que dariam o nome de Alpiarça
Foot-Ball Club “Os Águias”.
O seu primeiro equipamento era uma camisola dividida
verticalmente em duas metades, sendo a direita vermelha e a esquerda branca. O
calção era azul. Mais tarde a cor das camisolas foi invertida.
As primeiras reuniões realizam-se em casa de um dos
futebolistas e fundadores, Adolfo Fernandes, na então Rua Direita, hoje Rua
José Relvas, número 232, numa casa que viria a pertencer a Isidro dos Santos,
onde funcionava a sua oficina de bicicletas e hoje é um salão de cabeleireiro.
O primeiro campo de futebol foi no Pinhal da Torre, nuns
terrenos de Maria Lico. Passado algum tempo o campo mudou para um terreno em
frente cedido por Jacinto Botelho Falcão.
Curiosamente o dia da constituição formal do clube, 1 de
Outubro de 1922, foi assinalado com a realização de um jogo de futebol com o
Almeirinense F. C. “Os Dragões”. O Alpiarça Foot-Ball Club “Os Águias” venceu
por 3-2. Dizem as crónicas da época que “os alpiarcenses levaram uma linha
reforçada com jogadores novos, entre os quais um trazido de Santarém, o que não
aconteceu com os rapazes de Almeirim que tinham uma linha muito fraca. O
árbitro foi o Sr. Amadeu Faria que agradou a todos porque foi imparcial”.
Introduz-se a prática do atletismo, cujos atletas treinam no
quintal da sede, o que não impede a obtenção de resultados honrosos. É o caso
de João Pinhão que ganha uma prova de pedestrianismo (corrida a pé) em
Santarém, de João Catarino Duarte que vence uma prova de lançamento do peso e
Manuel Tendeiro que era especialista no salto em altura.
A primeira grande vitória no ciclismo foi conseguida por
Apolinário de Oliveira em 1924. Vence a volta a Coruche. Este mesmo corredor,
mais tarde também dirigente, participa no V Porto-Lisboa, não tendo terminado a
prova.
Em 20 de Maio de 1925 disputa-se em Almeirim uma prova de
100 km, para disputa da Taça Gabriel Costa, em homenagem a um ciclista de
Almeirim que falecera havia pouco tempo. Os Águias alinharam com Apolinário
Oliveira, João Pinhão, Fernando Coimbra e Armandino Fidalgo. Dois corredores se
destacaram desde o inicio da prova. Apolinário e João Augusto Rodrigues, este
do Almeirim F. C. “Os Lusitanos”. Apolinário Oliveira, motorista de profissão
vence ao sprint.
Entretanto, aparece em Alpiarça um outro clube, além de Os Águias,
a praticar ciclismo, o Sport Lisboa e Benfica, de Alpiarça. Os corredores ora
se inscrevem por um ou pelo outro clube. Destacam-se entre eles o já citado
Apolinário, Manuel Machacaz, Joaquim Antunes Freilão “Têta”, Jacinto Mendes,
funileiro de profissão e, por isso, mais conhecido por “Bate Latas”, João
Silvério Carvalho, António Santos, que se inscrevem pelo Benfica de Alpiarça em
1927, enquanto Os Águias apresentam José Pereira Rosa, filho de Mário Rosa
Paulino Anastácio, António dos Santos Júnior e Manuel de Oliveira Júnior “O
Biba”. Este último, padeiro em Alpiarça, viera da Golegã. E será ele o primeiro
campeão distrital de ciclismo com as cores de Os Águias, corria o ano de 1927.
Ficará, logo a seguir, em 5º lugar no campeonato nacional realizado entre Mafra
e Ericeira. A ele caberá também a honra de estar presente na 1ª Volta a
Portugal em Bicicleta que se iniciou em Lisboa no dia 26 de Abril de 1927 e
terminou apoteoticamente na capital em 15 de Maio. A prova é organizada pelos
jornais Diário Notícias e Sports. Dos 43 corredores inscritos apareceram 37,
que foram divididos por categorias em função da sua experiência – fortes,
fracos e militares.
Quem não faltou à chamada no Parque Eduardo VII foi o
representante do Alpiarça Foot-Ball Club Os Águias, Manuel Simões de Oliveira
Júnior, com apenas 18 anos. Este jovem corredor ribatejano ia, segundo o Diário
de Notícias, vestido com blusa branca, emblema encimado por uma águia bordada
sob as iniciais AFC. Alinhou pelos fracos, que eram os que estavam em início de
carreira, como era o seu caso.
Foi uma corrida épica, aquela em que esteve envolvido o
nosso corredor e a primeira grande prova de ciclismo que se realizou em
Portugal. As estradas quase não existiam, muitas vezes os ciclistas tinham que
ir por atalhos. As bicicletas eram pesadíssimas. O abastecimento era deficiente
ou mesmo inexistente. Muitas vezes eram os familiares que iam à estrada levar
as refeições. O ciclista parava, comia e seguia viagem. Às vezes havia
diferença de horas entre uns ciclistas e outros mais à frente. As dificuldades
eram enormes. O Diário de Notícias, no fim da 1ª etapa entre Cacilhas e
Setúbal, dava esta imagem: “o aspecto dos ciclistas à chegada é na verdade
arrepiante pela porcaria que cada um traz sobre si. Há rostos irreconhecíveis.
A máscara de poeira nada tem de cómica. É trágica de repelência. Há vários
desastres a registar. Temos um corredor ferido pelo coice de um muar, outro
mordido por um cão e outros com máquinas partidas”.
Na 1ª etapa o nosso atleta fica em 7º e na 2ª chega em 6º.
Na chegada a Vila Viçosa é o 4º classificado e no Porto é o 2º a chegar à meta.
Na última etapa, à chegada a Lisboa, perante uma multidão calculada em mais de
50.000 pessoas desde o Campo Grande às Avenidas, entre os quais se encontrava o
chefe do Governo General Carmona, o nosso corredor corta a meta em 3º lugar. Na
classificação geral ocupa a 6ª posição na sua categoria, a cerca de 25 horas do
1º classificado, o corredor do Carcavelos, António Marques. O vencedor dos
Fortes foi António Augusto Carvalho, também do Carcavelos.
Depois, Os Águias deram outros voos. Campeões foi coisa que
não faltou no curriculum dos atletas e do clube. Grandes atletas e grandes
dirigentes passaram pelo clube e cuja memória para sempre guardaremos. Mas é
uma fase mais recente dos quais a lembrança ainda está fresca e que poderemos
tratar noutro texto.
O que agora é mais
importante lembrar, nesta data da comemoração dos 90 anos do Clube, é a fase
pioneira. Aqueles que lançaram os caboucos daquilo que somos hoje. Esta é a
minha modesta colaboração e homenagem a todos eles, para que a memória não se
perca...nunca. Sem ela não existimos.
Bibliografia – “A História do Ciclismo em Alpiarça”
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