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sábado, 31 de maio de 2014

OPINIÃO: Não se nasce mãe

Por: Isabel Faria


Não se nasce mãe. A sério. Como não se nasce uma quantidade de outras coisas. Na volta, nem filho se nasce. É com a mão do nosso pai que nos ampara nas quedas, ou com os braços da nossa mãe que nos apertam nas perdas, que nos tornamos filhos. Acho que comigo foi assim, mais riso, menos riso. Mais livro menos livro, mais bolachinhas de manteiga, menos bolachinhas de manteiga.

Já a Beauvoir escrevia que não se nasce mulher...portanto...

...portanto, mãe não se nasce mesmo. Aliás, eu acho que nem sequer nos tornamos mãe, logo, assim tipo botãozinho on, quando o nosso filho nasce.
Vem depois. Fazemo-nos depois.

Fezemo-nos mãe com a primeira fralda para mudar, com o primeiro sorriso (o mundo pára, mas pára mesmo, quando eles nos sorriem pela primeira vez, não pára ?), com a primeira vez que chora e a gente acha que se chora é porque está a sofrer, ou lhe dói algo, ou não gosta lá muito da gente, ou lhe estamos a fazer mal (afinal, quando somos assim já granditos, é por isso que chora, não é?, e lembramo-nos lá já nós porque raio chorávamos quando tínhamos refegos (mas dos fofos, não dos de agora, mas isso é outra história) pelo corpo todo e chorávamos desalmadamente, como se não houvesse amanhã), quando os deitamos ao nosso colo e lhe damos de mamar, e eles nos colocam a mãozita no nosso peito e nos olham e catrapiscam de sono e abrem muito os olhos com ar de zangados quando, extemporaneamente, pensamos que a refeição acabou, quando vamos a primeira vez ao doutor e começamos a ver o mundo enrolado em percentis, dentes de leite, leites que, afinal, não são O leite, calendários de sopas, horários de biberons, contas de fraldas, quando dão o primeiro passo e nós dizemos a toda a gente, como se, antes do nosso filho, nunca ninguém tivesse, sequer, pensado que os pés serviam para andar. Ou dizem a primeira palavra e a gente repete o feito. Por pombo correio, telegrama...mail, sms e mete no facebook, mesmo que tivesse sido décadas antes do facebook. Ou dos telegramas. 

E depois, por aí fora. Já estamos umas mães com mais alguma formação profissional, quando os deixamos a primeira vez no jardim infantil, mas ainda choramos como se nunca mais os voltássemos a ver. Ou na escola. Ou os entregamos a um médico que, às vezes, a gente, pelo meio deste processo de aprendizagem todo, somos obrigadas a compreender que nos vamos formando em mães, mas em deuses é que a porca torce o rabo, na universidade, nos primeiros fins-de-semana fora, coração desalmado e cabeça à roda, nas saídas à noite, nos namorados e nas namoradas (esta volta a ser uma parte quase tão complicada como a maluca da primeira fralda, garanto a quem nunca tenha mudado uma fralda...ou visto um genro ou uma nora em carne e osso)...
Hii., e naquelas vezes, em que eles olham para nós, como se os filhos fossemos nós e tivéssemos muito que aprender com eles...bem, isso dá cá uma trabalheira a encaixar...

E vai sendo assim, dúvida após dúvida, dia após dia, escolha deles, após escolha deles, beijo após beijo, medo após medo, dor após dor, angustia após angústia, alegria após alegria, sorriso e olhar após sorriso e olhar, que nos vamos fazendo, aos poucochinhos, mães. Digamos, para usar uma linguagem um bocado de gente crescida, que é mesmo um processo de aprendizagem continua. O meu iniciou-se há 24 anos...e dura, e dura. E é tão eterno, mas tão eterno...que não acaba nunca!

E não fossem as perdas ou as ausências que fazem com que os dias nunca mais voltem a ser dias inteiros, não fosse no Domingo passado, por essa Europa fora, terem voltado a soar, duma forma assustadora, os passos assustadores da noite escura da minha infância, e cada dia do meu filho seria o meu primeiro dia de mãe. Assim não pode...tenho séculos de lutas e décadas de partilhas para lhe falar e não o deixar esquecer. Cada dia tem que ter incluído sempre um espaço para revisão da matéria dada,  nesta constante aprendizagem de ser mãe, companheira, cidadã e mulher. Assim seja, pois. Até porque eles não nasceram homens nem mulheres também...vão-se fazendo. E precisam da nossa mão e dos nossos braços para as quedas e as perdas. E do nosso aplauso para as vitórias.