O Caos e a Ordem
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Por: Anabela Melão |
O
Estado em Portugal é uma ficção (cara, mas apenas ficção) e o único que mais ou
menos tem ido andando (embora desorientado) é a superestrutura política, o
Governo. Tem sido assim há décadas. Porém, depois deste fim de semana, também
isso acabou. O Governo passou-se, também ele, para o domínio da ficção, com um
guião escrito e posto em cena por Paulo Portas.
O primeiro-ministro anuncia ao País, sexta às 20H, uma
série de medidas. Um ministro anuncia uma comunicação para 47H mais tarde… E
dirá que a tal série de medidas não é, afinal, bem como o primeiro-ministro
anunciou e que há medidas que, enfim, ele não aceita. Mais tarde, o
primeiro-ministro mandará alguém dizer que a declaração de Portas é normal e
aceitável e até tinha sido tudo combinado. A última palavra sobre a nova série
de medidas foi, portanto, não do primeiro-ministro mas, sim, de um dos seus
ministros… Tudo isto acaba por ser ficção, nun cenário em que a única realidade
é a carga fiscal que cai sobre as costas dos Portugueses. O resto é mesmo ficção
pura, para distracção dos espíritos e em concorrência (desleal) com as
telenovelas.
Portugal não vive na ortodoxia e nem consegue já ser
heterodoxo, à sua velha maneira, tão bem fixada por António Vieira. Portugal
vive hoje uma situação paradoxal. Nem ortodoxo, nem heteredoxo, Portugal é
paradoxo. Num tempo em que o Governo emigra para o domínio da ficção, os
poderes fáticos, poderes informais mas realmente existentes, estão a
esboroar-se e, literalmente, a perder o pé que, afinal, é de barro. Quando o
Governo deserta a realidade, deixando mais campos abertos aos poderes fáticos,
é quando estes fraquejam e se mostram não só incapazes de ocupar os espaços que
lhes são oferecidos como se revelam incapazes de manter os que já tinham.
Esta situação paradoxal coloca, imediatamente, dois
problemas. Primeiro, garante a insegurança a todos os agentes e indivíduos,
tanto da instância política, como da generalidade dos aparelhos de Estado e
também, claro, dos tais poderes fáticos. Segundo, esta situação tenderá, pela
lei do horror ao vazio, a ser ultrapassada pela emergência de novas propostas e
novos líderes políticos e, sobretudo, pela irrupção de novos poderes fáticos,
com aproveitamente de fragmentos dos antigos, recomposições, “fusões e
aquisições” em combinações com os emergentes, eventualmente, mais duros e
“mafiosos”.
Esta “recomposição” dos poderes fáticos é facilitada e
até estimulada pelo processo em curso de pauperização do Estado, de
desmotivação e resguardo dos seus agentes (que se percepcionam expostos e sem
defesa…) e, agora, por esta recente emigração do Governo para o domínio da
ficção. Este é um Estado em colapso e sequente processo de fragmentação e caos.
Uma realidade em movimento que não sabe para que direcção ir e se espalha em
desvario. Uma realidade à espera que o seu movimento gere algures peso
suficiente para “inclinar” as coisas no seu sentido… É um processo típico de
“ordo ab chaos”. Longo, lento e violento."
(blog inteligenciaeconomica)
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