.

.

.

.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

A 'próxima esquerda' e os instalados

Postado por Anabela Melão
"À esquerda sucedem-se movimentações para tentar perceber o que aconteceu. É interessante, que num contexto de crise geral haja quem privilegie saber como pode uma ideia antiga adaptar-se a uma realidade nova, ao invés de procurar ideias novas. Mas adiante.
Se formos à substância da esquerda não comunista - justiça social, igualdade de oportunidades, laicização do Estado, voto universal e muitas outras ideias generosas que hoje se tornaram património comum e geral - e compararmos com o que temos hoje, não só se lhe reconhece uma vitória ideológica como um domínio quase absoluto dos conceitos no discurso público.
Mas o sucesso também mata. Basta olhar para tanta instituição e ideia bem sucedida. Ora, sabendo isto, deveria ser neste ponto que a esquerda se deveria concentrar. 
Infelizmente, a esquerda hoje defende, sobretudo instalados. É o que se passa nos sindicatos - quanto maiores e mais seguros os privilégios dos associados - desde logo na Função Pública - mais ativos são. É por isso que não vemos - salvo ONGs e igrejas - quem defenda os sem abrigo, os desempregados de longa duração, enfim, os mais desprotegidos da sociedade. (Sublinho que escrevi quem defenda e não quem fale desses assuntos). A questão não é nova, há mais de 20 anos o dirigente do SPD alemão Oskar Lafontaine sublinhava este facto - os instalados na vida dividem-se entre esquerda e direita. A terceira parte sai dos sistemas políticos e fica a vegetar num limbo sem representatividade. Os sindicatos e associações profissionais já não os representam, eles já não votam e os partidos não querem saber deles e são os autênticos párias dos novos regimes.
A partir de determinado ponto, lembraram-se de comprar os fora do circuito com subsídios. Os rendimentos mínimos garantidos, mas o dinheiro nem sempre chega. E é por isso que na Suécia, onde uma família com quatro filhos tem mais de 2000 euros de subsídio só por esse facto (é o terceiro melhor sistema de proteção social do mundo), há quem ande a partir tudo nos subúrbios de Estocolmo devido a cortes que deixam a situação em termos tais que, por cá, seriam considerados próximos do paraíso.
Por isso, se me permitem os meus 50 cêntimos para a conversa (como se diz nos EUA), a esquerda, se quer ser a próxima, a nova ou outra coisa qualquer, comece por esta radicalidade estranha e politicamente incorreta: preocupe-se com os mais pobres, os mais desprotegidos e os mais vulneráveis e deixe de fazer coro com os instalados, aqueles que tendo assegurado uma parte do Orçamento comum, não querem, nem por decreto, largar seja o que for.
É claro que há muitos mais aspetos a discutir: da laicização financeira, ao fim dos paraísos fiscais, mas pretendi apenas falar do menos óbvio."
De: Henrique Monteiro, Expresso

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente artigo de opinião