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domingo, 4 de setembro de 2011

É preciso pôr ordem no reino dos espiões

Os chefes e os fiscais das secretas estão desacreditados dentro e fora do país
Lê-se e não se acredita. O presidente da Comissão de Fiscalização dos Serviços de Informação anda a desenvolver uma actividade intensa para saber quem passou a informação ao "Expresso" da vigilância ilegal que o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, vulgo SIED, então dirigido por Jorge Silva Carvalho, andou a fazer aos telefonemas e SMS do jornalista Nuno Simas. Basicamente, Marques Júnior, capitão de Abril e conhecido defensor de todas as liberdades, anda a fazer exactamente o mesmo que Silva Carvalho, que tentou espiolhar os telefonemas do jornalista para saber quem lhe passava informações do SIED. Quer isto dizer que estão bem um para o outro. Melhor dizendo, neste reino dos espiões e dos fiscais, estão bem uns para os outros. É por isso mesmo que se duvida sinceramente que Júlio Pereira, ainda secretário-geral do Sistema de Informações da República, consiga entregar ao primeiro-ministro um relatório profundo sobre o escândalo. Rápido será certamente. Esclarecedor, com os nomes dos bois bem à vista, é como acreditar que é o Pai Natal que põe os presentes nos sapatos das criancinhas. Neste quadro miserável, cheio de sombras e muita porcaria, até se percebe que Pedro Passos Coelho tenha dado uma última oportunidade a Júlio Pereira. Ganhou tempo para repensar a orgânica dos serviços e escolher os homens ou mulheres certas para arrumarem a casa do SIRP, do SIED e do SIS - tarefa nada fácil, até porque os serviços de informações são uma fonte inesgotável de tentações para quem exerce o poder. Basta olhar um pouco para trás e lembrar o que se passou quando José Sócrates decidiu reformular o Sistema de Informações da República e equiparou o seu secretário-geral a secretário de Estado. Com a particularidade de estar na dependência directa do primeiro-ministro, que passou a ter acesso a todas as informações produzidas pelos serviços e com poderes para determinar a realização de operações. Convém recordar aqui e agora a investigação do jornalista Rui Costa Pinto, colaborador do i, publicada na "Visão", sobre a "secreta privada de Sócrates". O caso foi naturalmente para tribunal, num processo em que os ofendidos eram Júlio Pereiro e o próprio Sócrates, e acabou com a absolvição do jornalista e da revista. As secretas privadas, as investigações ilegais, as escutas telefónicas proibidas por lei, a devassa da vida privada, enfim, o conjunto de operações negras, nunca registadas e muito menos fiscalizadas por fiscais que pensam como os espiões, são o pão nosso de cada dia na vida dos chamados serviços. E raramente têm alguma coisa a ver com a segurança nacional, o crime organizado, o terrorismo ou ameaças à soberania. Normalmente são feitas como meio de chantagem e coacção sobre pessoas e empresas que não estão nas graças do poder e são um obstáculo à concretização de certas políticas e certos negócios. Ao contrário da esquerda, que sempre defendeu o fim dos serviços de informação, é evidente que o país, qualquer país, necessita de secretas bem organizadas e eficazes. O que não precisa é de espiões medíocres chefiados por medíocres que não os põem na ordem.
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