Assinalaram-se, no dia 27 de Março, os 200 anos do nascimento de Alexandre Herculano. O homem sepultado na Sala do Capítulo do Mosteiro dos Jerónimos, ao lado de Camões e Pessoa, foi o fundador da historiografia moderna em Portugal, isto é, dedicou toda uma vida de trabalho intenso a introduzir no nosso país a análise e relato dos factos passados sob um ponto de vista científico.
É extraordinário que, em apenas cinco anos, tenha redigido os quatro volumes da sua História de Portugal. Igualmente revelador da grandeza de Alexandre Herculano é o facto de os seus trabalhos terem mantido o estatuto de referências incontornáveis na formação dos historiadores até aos anos 80 do século XX.
Mas Alexandre Herculano não foi apenas o pesquisador dos acontecimentos históricos. A história como a poesia, os romances, a defesa de uma corrente estética ou os ensaios sobre as mais diversas questões, presentes ou passadas, mas sempre atravessados por uma sólida autoridade ética, eram também formas de intervenção política e social.
No tempo que viveu, Alexandre Herculano foi amplamente reconhecido como uma das figuras mais marcantes da sua época. Alguns anos depois da sua morte, quando o republicanismo havia já triunfado, o centenário do seu nascimento foi festejado com admiração pela obra que deixou e com respeito pelo seu combate ao lado dos sectores liberais.
Há 59 anos, numa carta dirigida à família em que aborda o livro Herculano e o Liberalismo em Portugal, de António José Saraiva, Álvaro Cunhal argumentava (1), manifestando apenas «impressões de leitor bastante ignorante na matéria versada», que «a história de Portugal do século XIX está por estudar e por escrever», que nenhum historiador havia até então respondido «aos muitos e muitos “porquês?”». Isto é, ainda nenhum havia sido capaz de «estudar todo esse atordoador emaranhado de conflitos que é o século XIX; determinar as linhas fundamentais da evolução nesse período; definir em que sentido e como se operam as transformações da sociedade portuguesa; arrumar e classificar os homens não apenas segundo as suas palavras e intenções declaradas, mas segundo os reais resultados da sua actuação (incluindo naturalmente a ideológica) e os interesses por esta servidos».
«É um traço característico do movimento da burguesia na primeira metade do século desdenhar da realização histórica que ela própria estava fazendo».
Como era trabalho que, acrescenta Álvaro Cunhal, estava por fazer, tornava-se, então, «completamente impossível formar uma ideia da história do pensamento português no século XIX e ajuizar das ideias dos homens (não em relação com os dias de hoje, mas em relação com o próprio século XIX) sem conhecer e compreender com clareza a realidade social em que germinaram».
A falta de conhecimento sobre Alexandre Herculano e o período histórico que abarca todo o século XIX em Portugal parece ser hoje dominante. Mesmo que nas décadas seguintes à carta escrita por Álvaro Cunhal no cárcere, alguns passos tenham sido dados para matar «aquilo que a ansiedade de saber exige»; mesmo que o estudo da história portuguesa tenha já passado «a primeira infância», como frisava então o secretário-geral do PCP, fica a impressão de que muito do que dela importa em relação à vida e obra de Herculano, bem como ao contexto social e político mais profundo em que se insere, fica por divulgar.
As evocações oficiais de Alexandre Herculano no ano do bicentenário do seu nascimento têm sido muito mais que apagadas. Com evidentes insuficiências, este suplemento é, sobretudo, um esforço para contrariar o rolo compressor da ideologia dominante, ingrata para com a história e algumas das suas destacadas personalidades, quando não a histórica e empenhada em reescrever o passado ao sabor dos seus interesses vorazes, como bem sabem e conhecem os comunistas.
Por: Hugo Janeiro/Rosa Margarida Antunes
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