Por: Isabel Faria |
“Não está nada escrito. Mas há uma coisa que sei: ao chegar ao fim da vida, quero poder olhar para trás e dizer: terei feito algumas asneiras, mas no conjunto posso partir, lá para onde for, com tranquilidade.” (*)
Não sei quando conheci o Miguel Portas pessoalmente. Para mim, desde sempre
que acho que conheço o Miguel…desde sempre.
O Miguel não foi só (como se fosse pouco o só), meu camarada de partido.
Foi meu amigo, meu cúmplice de risos, de sorrisos, de lágrimas, de dúvidas.
Partilhámos palavras (tantas palavras!), silêncios, medos, desencantos.
Caminhos. E muitos, muitos sonhos. E desencontrámo-nos muitas vezes. Tantas
vezes. Sem nunca nos termos perdido.
Fiz a campanha eleitoral com o Miguel, para as Europeias de 2009. A única
que fiz a tempo inteiro…a última de coração e cabeça inteiros. E se hoje
me perguntarem das primeiras coisas que me vêm á cabeça desses dias, a resposta
vem rápida e sem hesitações: do sorriso e das gargalhadas dele…e dos seus
atrasos. Tínhamos sempre que esperar por ele e depois estávamos todos com
vontade de lhe bater, de tão zangados…mas ele sorria. Pedia desculpa e…pronto.
O Miguel era o Miguel e mais o sorriso e as gargalhadas dele. Eu acho que a
única coisa em que o Miguel nunca se atrasava era nos afectos…até ao fim. E nas
gargalhadas. O último sms que recebi dele, três ou quatro dias antes de ir
embora, já no hospital e muito doente, termina com um smile…
Não que tivesse sempre bom feitio, longe disso…mas encontrava sempre uma
forma de lhe desculparmos isso. Uma vez, depois de uma discussão grandota por
causa do Alegre e do BE e outras coisas assim, dias depois de eu ter abandonado
a Mesa Nacional do Bloco…chamou-me sectária e irresponsável. “Esquerdista dum raio!”.
E eu desliguei o telefone, zangadíssima. Passados uns segundos tinha um sms do
Miguel a perguntar-me como é que eu fazia as pataniscas de bacalhau, de que
tínhamos falado, dias antes dos gritos ao telefone. Seguiu a receita…veio de
volta o sorriso. Como é que uma pessoa pode ficar zangada com alguém com quem
partilha receitas de pataniscas por sms?
Miguel Portas |
Um dia, estava ele na Praia das Maçãs e eu na hora de
almoço do trabalho, e liguei por causa de um artigo qualquer que tinha saído
num jornal. Um artigo nada simpático sobre declarações de alguém da Direcção do
BE, sobre as divergências dentro do Bloco. Eu entrei com um sonora e agressivo
“Camarada, não tenho paciência pra vocês!”. Uma gargalhada e…o artigo ocupou
dois minutos da conversa. O resto da minha hora de almoço foi a falar de
paixões, de filhos, de amigos, viagens, amores, da vida e...de peixes!
Acabámos por deixar a conversa sobre os peixes para mais tarde, porque eu
tinha que voltar ao trabalho e ele ao seu livro. É das muitas que ficaram por
terminar.
No meio da encruzilhadas destes dias, do
frio, do desnorte da Esquerda, do cinzento, só não consigo falar da falta que o
Miguel Portas nos faz, porque sou extremamente egoísta. Fico presa à falta que
o Miguel me faz a mim. E não consigo verbalizar a certeza (minha, e por isso
sem hipótese de ser contestada, e certeza, portanto sem hipótese de ser
questionada) de que a Esquerda seria outra Esquerda se o Miguel cá estivesse.
Não há homens insubstituíveis? Claro que há! Os nossos são sempre insubstituíveis.
Cada um dos nossos. E o Miguel Portas era dos nossos. O Miguel também.
Daqui a três semanas faz dois anos que o Miguel foi embora. Este texto não
teria nem mais nem menos sentido ser escrito a 24 de Abril ou hoje. Do que me
lembro destes quase dois anos, não houve dia em que não lhe tivesse cantado
esta canção. E rimo-nos sempre.
http://youtu.be/Kcl8krRlTJk
(*) Miguel Portas, Julho de 2011.
http://youtu.be/Kcl8krRlTJk
(*) Miguel Portas, Julho de 2011.
1 comentário:
As pataniscas foram sendo adiadas, pelas coisas da vida...eu dizia que as minhas pataniscas eram as melhores do mundo...e ele acreditava...:)
Não tenho a certeza se alguma vez fez a minha receita...ou se o sms a pedir a receita foi, sobretudo, a forma de, mais uma vez e sempre,"desfranzirmos" o sobrolho.
Tal como a conversa sobre os peixes, e a xaputa frita, as minhas pataniscas ficaram sempre à espera de serem comidas em conjunto...um dia.
Ainda estão.
Obrigado ao JA, por me dar a oportunidade de falar do Miguel.
Isabel Faria
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