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domingo, 6 de abril de 2014

OPINIÃO: "O Miguel era o Miguel e mais o sorriso e as gargalhadas dele"

Por: Isabel Faria

“Não está nada escrito. Mas há uma coisa que sei: ao chegar ao fim da vida, quero poder olhar para trás e dizer: terei feito algumas asneiras, mas no conjunto posso partir, lá para onde for, com tranquilidade.” (*)

Não sei quando conheci o Miguel Portas pessoalmente. Para mim, desde sempre que acho que  conheço o Miguel…desde sempre.

O Miguel não foi só (como se fosse pouco o só), meu camarada de partido. Foi meu amigo, meu cúmplice de risos, de sorrisos, de lágrimas, de dúvidas. Partilhámos palavras (tantas palavras!), silêncios, medos, desencantos. Caminhos. E muitos, muitos sonhos. E desencontrámo-nos muitas vezes. Tantas vezes.  Sem nunca nos termos perdido.

Fiz a campanha eleitoral com o Miguel, para as Europeias de 2009. A única que fiz a tempo inteiro…a última de  coração e cabeça inteiros. E se hoje me perguntarem das primeiras coisas que me vêm á cabeça desses dias, a resposta vem rápida e sem hesitações: do sorriso e das gargalhadas dele…e dos seus atrasos. Tínhamos sempre que esperar por ele e depois estávamos todos com vontade de lhe bater, de tão zangados…mas ele sorria. Pedia desculpa e…pronto. O Miguel era o Miguel e mais o sorriso e as gargalhadas dele. Eu acho que a única coisa em que o Miguel nunca se atrasava era nos afectos…até ao fim. E nas gargalhadas. O último sms que recebi dele, três ou quatro dias antes de ir embora, já no hospital e muito doente, termina com um smile…

Não que tivesse sempre bom feitio, longe disso…mas encontrava sempre uma forma de lhe desculparmos isso. Uma vez, depois de uma discussão grandota por causa do Alegre e do BE e outras coisas assim, dias depois de eu ter abandonado a Mesa Nacional do Bloco…chamou-me sectária e irresponsável. “Esquerdista dum raio!”. E eu desliguei o telefone, zangadíssima. Passados uns segundos tinha um sms do Miguel a perguntar-me como é que eu fazia as pataniscas de bacalhau, de que tínhamos falado, dias antes dos gritos ao telefone. Seguiu a receita…veio de volta o sorriso. Como é que uma pessoa pode ficar zangada com alguém com quem partilha receitas de pataniscas por sms?

Miguel Portas
Um dia, estava ele na Praia das Maçãs e eu na hora de almoço do trabalho, e liguei por causa de um artigo qualquer que tinha saído num jornal. Um artigo nada simpático sobre declarações de alguém da Direcção do BE, sobre as divergências dentro do Bloco. Eu entrei com um sonora e agressivo “Camarada, não tenho paciência pra vocês!”. Uma gargalhada e…o artigo ocupou dois minutos da conversa. O resto da minha hora de almoço foi a falar de paixões, de filhos, de amigos, viagens, amores, da vida e...de peixes!  Acabámos por deixar a conversa sobre os peixes para mais tarde, porque eu tinha que voltar ao trabalho e ele ao seu livro. É das muitas que ficaram por terminar.

No meio da encruzilhadas destes dias, do frio, do desnorte da Esquerda, do cinzento, só não consigo falar da falta que o Miguel Portas nos faz, porque sou extremamente egoísta. Fico presa à falta que o Miguel me faz a mim. E não consigo verbalizar a certeza (minha, e por isso sem hipótese de ser contestada, e certeza, portanto sem hipótese de ser questionada) de que a Esquerda seria outra Esquerda se o Miguel cá estivesse.

Não há homens insubstituíveis? Claro que há! Os nossos são sempre insubstituíveis. Cada um dos nossos. E o Miguel Portas era dos nossos. O Miguel também.

Daqui a três semanas faz dois anos que o Miguel foi embora. Este texto não teria nem mais nem menos sentido ser escrito a 24 de Abril ou hoje. Do que me lembro destes quase dois anos, não houve dia em que não lhe tivesse cantado esta canção. E rimo-nos sempre.
http://youtu.be/Kcl8krRlTJk

(*) Miguel Portas, Julho de 2011.

1 comentário:

Anónimo disse...

As pataniscas foram sendo adiadas, pelas coisas da vida...eu dizia que as minhas pataniscas eram as melhores do mundo...e ele acreditava...:)

Não tenho a certeza se alguma vez fez a minha receita...ou se o sms a pedir a receita foi, sobretudo, a forma de, mais uma vez e sempre,"desfranzirmos" o sobrolho.

Tal como a conversa sobre os peixes, e a xaputa frita, as minhas pataniscas ficaram sempre à espera de serem comidas em conjunto...um dia.

Ainda estão.

Obrigado ao JA, por me dar a oportunidade de falar do Miguel.

Isabel Faria