.

.

.

.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

OPINIÃO: "Apanhamos o próximo"

Por: Isabel Faria
Faz agora um ano, deixei no meu mural do FB, esta fotografia do Alfredo Cunha com a legenda : "Apanhamos o próximo".  
Talvez porque, este ano, o nosso dia-a-dia se afastou ainda mais daquele dia, a legenda que hoje lhe colocaria, podia ser a mesma, mas o tom é o seu inverso.
O que me tocava nesta foto era a serenidade com que se esperava pelo futuro. Com que se vivia aquele dia (apesar de sempre me ter feito alguma confusão como era possível estar ali…assim). Mas serenidade ainda era a palavra que escolheria para descrever esta foto.
Este ano apetece-me escrever que aquele casal somos nós como povo. Faz o que nós fazemos há 38 anos e meio, desde aquele dia longínquo do final de Novembro de 1975: esperamos que alguém construa o futuro por nós. Não de braço dado. De braços caídos. 
“Esperamos o próximo” não para usufruir do momento, mas porque perdemos o momento. Porque o deixámos para outros fazerem, para outros viverem.
Colocamo-nos no passeio e vemos a história e a vida passarem-nos em frente. Passarem-nos ao lado. Pomo-nos ao lado da vida, esperando que ela nos traga...vida. 
Naquele dia, aquele chaimite tomou a rua para nos trazer a liberdade e a democracia. Aquele casal, de braço dado, viveu esse dia, possivelmente, com esperança. Afinal, muito cedo se percebeu que aqueles homens tinham tomado a rua para derrotar a escuridão da noite que durara 48 anos. Quando ainda se pode ter esperança, a passividade pode ser confundida com serenidade. Estranha-se…mas aceita-se.
 Quando nos mataram a esperança e diariamente nos impõem a escuridão, a passividade só pode ser confundida com impotência, indiferença ou desistência. Ou as três juntas.
 Até pela idade que aparenta, aquele casal não deve ter tido uma responsabilidade como a de quem tomava, então, os primeiros autocarros da vida e que a tinha toda inteirinha ainda para viver, no que dela fizeram, no que deixámos que dela fizessem. Por isso, o desencanto não é da sua responsabilidade. É da minha. E da nossa.
 Não tomámos o próximo...deixámos que nos matassem aquele. Durante quase quatro décadas ficámos à espera que nos trouxessem o futuro a casa. Se nada fizermos trar-nos-ão o passado que aquele dia derrotou. Penso que todos sabemos isso. A passividade daquele casal pode-nos parecer estranha. A nossa, será para os nossos filhos e os nossos netos, criminosa.

Sem comentários: