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sábado, 12 de abril de 2014

O Valor da Palavra

Por: João Pedro Céu (*)
A propósito de acontecimentos recentes muito se tem comentado a ligeireza com que responsáveis públicos esquecem afirmações e compromissos e dou por mim a concluir que, infelizmente, esta é uma realidade que também se aplica em Alpiarça.

Por motivos pessoais estive muito tempo sem me envolver nas atividades politicas e sociais do Concelho. Mas o tempo que vivemos, de incerteza e angustia crescentes, levaram-me a ter uma postura mais ativa.

Participando na Assembleia Geral da Fundação José Relvas, desde 2012, fui confrontado na discussão do orçamento para 2014, com a ausência de previsão de receita no que respeita ao legado de Manuel Nunes Ferreira. Para quem não saiba o legado de Manuel Nunes Ferreira é constituído por 1 prédio sito na Amadora e 2 em Lisboa. Estes prédios originam mensalmente receitas provenientes do arrendamento dos respectivos apartamentos.

O testamento de Manuel Nunes Ferreira é bem claro quando estipula que a Câmara Municipal de Alpiarça administra o legado mas que o beneficiário é a Instituição José Relvas (é assim mesmo que está no testamento e não é sério tentar omitir ou alterar tal disposição).

Tendo presente esta situação tão clara e precisa questionei o membro que representava o Executivo da Câmara Municipal que, perante a minha pergunta, tentou explicar o inexplicável, tendo chegado ao ponto de referir que os rendimentos dos três prédios apenas chegavam para suportar as despesas inerentes à sua própria administração. A explicação assumiu contornos especialmente excêntricos quando se lembrou de evocar a Lei dos Compromissos, que impediria transferência de verbas.

Repare-se que primeiro o rendimento só chegaria para cobrir as despesas e, logo de seguida, era a Lei dos Compromissos que não permitia. Claro que tudo seria mais simples e mais transparente se os responsáveis pela causa publica estivessem suficientemente informados e conhecessem as leis que evocam.

O que se passou na referida Assembleia foi de tal modo gratuito ( é a adjetivação mais inócua que encontro para retratar o insólito de  em dois anos consecutivos se terem gasto 60 000 €/ano (sessenta mil euros) na reparação de elevadores).

 Claro que perante tamanha incongruência esse ponto da ordem de trabalhos não foi votado tendo-se o Executivo Municipal comprometido a agendar uma reunião conjunta entre os técnicos da contabilidade da Câmara Municipal de Alpiarça e os da Fundação José Relvas. Esta reunião, por compromisso assumido pelo executivo camarário, deveria ter lugar até final do ano de 2013.

Passaram semanas, passaram meses e a reunião ou comprovação de contas caíram no esquecimento. Incomodado com tal situação cheguei a interpelar formalmente o Município para que  me fosse facultado o acesso à conta corrente do Legado. Apresentei tal pedido em Dezembro de 2013. Estamos em Março de 2014 e ainda não obtive resposta.

Assim, em sede de reunião da Assembleia Municipal de Alpiarça, questionei o executivo camarário quanto a :
1.            Data para a reunião prometida, que deveria ter tido lugar até final de 2013?
2.            Qual o saldo existente na conta do legado e que deveria ser transferido para a Fundação José Relvas?
3.            Quando pensava a Câmara entregar a verba, cumprindo assim o testamento de Manuel Nunes Ferreira?

A Câmara, pela voz do Senhor Vereador João Pedro Arraiolos, respondeu dizendo que as contas estavam feitas e tinham sido apresentadas. Como entendo que o respeito por pessoas e Instituições obriga a outras práticas, aguardei 4 (quatro) horas pelo 2º período de intervenção do publico e questionei de novo o Executivo, alertando para a inconsistência e incongruência da resposta.

E que resposta obtive? Pasme-se!! Agora na pessoa do senhor Presidente da Câmara foi respondido : “ “ julgo que o Vereador já respondeu “

E aqui assiste-me uma pergunta : O que diríamos nós se o Primeiro Ministro, ou um membro qualquer do Governo, tivesse atitude semelhante no Parlamento?

A verdade e a prática democrática pressupõem outras atitudes e vi-me obrigado, perante a ausência de cultura e respeito pelas Instituições, a tentar obter a resposta por outras vias.
A situação teve desenvolvimento uma semana após ter dado conhecimento ao Gabinete da Ministra das Finanças, da queixa apresentada junto da Inspeção Geral de Finanças. É lamentável que só aí o executivo camarário se tenha lembrado do que é prática democrática. Se tenha lembrado do respeito pelas Instituições. Se tenha lembrado de que democracia obriga ao respeito pelo Todo.

A reunião entre os técnicos da Câmara Municipal de Alpiarça e da Fundação José Relvas teve finalmente lugar no passado dia 5 de Março.

E o que resultou da reunião?

Ainda sem “terem aparecido“ os documentos comprovativos de receitas e despesas conclui-se que, no mínimo, a Câmara Municipal de Alpiarça é devedora  à Fundação José Relvas de 138.000,00 € (cento e trinta e oito mil euros).

Perante tudo isto há considerações que a vivência em democracia impõem:

a)   Porque é que os responsáveis da Câmara Municipal de Alpiarça não falaram verdade na Assembleia Geral da Fundação José Relvas e na Assembleia Municipal ?
b)   Qual é o verdadeiro saldo da conta do Legado de Manuel Nunes Ferreira?
c)    O que se passa com os comprovativos de receita e despesa do legado? É assim tão difícil apresentá-los?
d)   Não acham os responsáveis pela Câmara Municipal de Alpiarça que a Fundação José Relvas, os seus utentes e o seu corpo de funcionárias(os)  merecem mais respeito?

E para terminar não será pertinente evocar o título deste relato e perguntar:

Qual o valor da Palavra?
(*) João Pedro Céu também publicou esta crónica no mensário ‘Voz de Alpiarça’.
O único comentário permitido para publicação será o do Executivo da Câmara, se este entender responder.