As ondas gigantes que foram um segredo bem guardado
As ondas gigantes da Nazaré
voltaram esta semana. Razões climáticas que se repercutem no mar trouxeram-nas
de novo à nossa costa. E, este ano, pela primeira vez, não estavam sozinhas, a
rolarem no imenso desfiladeiro submerso que as forma, como aconteceu desde
sempre. Ou, como aconteceu nos últimos anos, acompanhadas por um ou dois
surfistas mais intrépidos. Este ano, as ondas gigantes eram esperadas por uma
multidão - jornalistas, televisões, amadores de fotografia e fotógrafos
profissionais, surfistas de todas as proveniências, os que, nestas
circunstâncias, ficam na areia e os que se atrevem lá no alto. Depois do
fenómeno Garrett MacNamara, o americano que bateu um recorde e pôs a Nazaré no
mapa do mundo, as ondas da Nazaré não mais ficarão de fora dos olhos do mundo,
do especializado, e dos curiosos que as acompanham através da internet e das
redes sociais.
Esta semana, as ondas gigantes voltaram
e isso pareceu-nos banal, fazendo-nos esquecer como, nas últimas décadas - nas
últimas quatro décadas, no meu caso -, vivemos sem sequer saber que elas
existiam. Conhecíamos melhor os chambres e rooms que as
mulheres de sete saias - essas típicas para nós - anunciavam verão e inverno
perto da praia ou no Sítio. Passámos a nossa vida inteira associando a Nazaré a
praias cheias de gente, más caldeiradas, cafés para turistas, candeeiros feitos
de conchas, lojas a vender atoalhados e desenvolvimento urbano caótico.
Que depois de milhares de discursos sobre a
importância para o nosso futuro comum de destacarmos aquilo que Portugal tem de
bom, de exclusivo, aquilo que pode fazer um país pequeno como o nosso brilhar
entre os grandes, de sabermos todos de cor e salteado a importância que o
turismo tem nessa missão, o apego da portugalidade que se tornou quase uma
moda, ainda seja preciso, como dantes, vir um estrangeiro mostrar-nos uma
riqueza como esta é... nada mais que extraordinário.
Onde estavam os milhares de institutos,
organismos, organizadores de conferências, especialistas em várias áreas
ligadas ao mar e que nos andam há anos a apregoar as suas diferentes virtudes,
castigando-nos por não as aproveitarmos? Onde estavam os milhares de grupos e
grupetas ligados ao turismo e ao surf que não apregoaram esta belíssima história
aos quatro ventos? Como é que um fenómeno geológico como este que vem, pelo
menos, do início dos tempos - foi aí que se formou o desfiladeiro que origina
as ondas - nos passou despercebido durante tanto tempo?
E não vale a pena dizerem-me que já toda
a gente sabia. Essa gente que sabia é ainda mais responsável por aquilo de que
aqui me queixo: da falta de divulgação de algo que, sabemos agora, é tão
valioso para Portugal. Melhor e mais eficaz do que centenas de milhares de
contos gastos em campanhas de divulgação do turismo português e da AICEP.
Agora, tudo isso foi
emendado e Portugal foi posto no mapa por um estrangeiro que ouviu, no círculo
restrito dos surfistas bigwavers, os tais boatos, quase à laia de segredo,
sobre umas ondas gigantes que se formavam na costa portuguesa. Vá lá que nos
calhou um estrangeiro «boa onda», com rugas de sol e de riso, que abraça
militares formalistas pelos ombros quando eles o condecoram. Todos nós, aliás,
não temos mais que, como estes militares, agradecer a MacNamara. É pena que não
tenhamos todos mais condecorações para lhe dar que um forte abraço, se um dia o
encontramos por aí, nas ondas da Nazaré ou no país pelo qual ele, através
delas, se apaixonou.
Fonte:
DN (5.11.13)
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