No mesmo ano, o rei tem oportunidade de conviver com Afonso XIII durante uma visita do rei espanhol (apenas três anos mais velho do que D. Manuel), ao antigo Paço Ducal de Vila Viçosa - agora residência de repouso da família real portuguesa - , e discutir com ele a situação dos dois países ibéricos. A 18 de Junho chega a Lisboa, a convite do rei, a cantora e bailarina Gaby Deslys e consta-se que entre os dois nasce um idílio abruptamente terminado quando a imprensa oposicionista se intromete nos secretos encontros do par. Em Novembro o rei parte para uma viagem oficial a Inglaterra a fim de tratar de um seu possível noivado com a Princesa Victoria Patricia (filha do Duque de Connaught e neta da Rainha Victoria), que nunca chegou a concretizar-se. Eventos sem importância aparente ocorrem a 9 de Fevereiro com o nascimento, em Marco de Canaveses, de uma menina a que foi posto o nome de Maria do Carmo Miranda da Cunha e que, mais tarde, tomaria o nome artístico de Carmen Miranda e a 16 de Julho, em Viseu, um ex-seminarista é aprovado, com 19 valores, no exame do Curso Geral dos Liceus, chama-se António de Oliveira Salazar. Morre Henri Burnay, banqueiro de origem belga, o homem mais rico de Lisboa.
Portugal continua a oferecer atractivos a nacionais e forasteiros. Na capital, o Rossio revelava-se o centro da vida citadina – onde existia o Paço dos Estaus, que alojava enviados estrangeiros, e depois a sede da Inquisição, o Teatro Nacional, era um dos mais conceituados do país. A dois passos ficava o Avenida Palace, o hotel mais luxuoso da cidade. Do outro lado, no Largo de São Domingos, uma pequenina taberna - A Ginjinha – suscitava enorme popularidade. Perto estava a Praça da Figueira, um mercado sob uma armação metálica de quatro torreões que, com os seus
Deslocar-se para os bairros periféricos de Lisboa não era difícil. Desde 1902 que não circulavam os "americanos", puxados por mulas e rodando sobre carris, destronados pelos carros eléctricos que surgiram em 1901, com uma carreira entre o Cais do Sodré e Algés. Oito anos depois, a sua rede estendia-se até ao Areeiro, Benfica, Graça e Poço do Bispo. Andar a pé era relativamente seguro. Uma boa parte da cidade estava já dotada de iluminação eléctrica e a Guarda Municipal, a pé ou a cavalo, patrulhava as ruas. Para chegar a pontos altos, como a Baixa ou a área ribeirinha, utilizavam-se os elevadores de Santa Justa, Glória, Lavra e Bica. Há dois anos que táxis (os descendentes das tipóias) se disponibilizavam para servir os mais apressados ou opulentos. Nas duas principais cidades do país, os jovens que aspiravam a uma educação académica acediam às Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto ou ao Curso Superior de Letras da capital, mas a única universidade articulada era a de Coimbra. Existia uma Faculdade de Teologia e uma cadeira de Direito Canónico na Faculdade de Direito. Muitos professores e mesmo bastantes alunos eram sacerdotes. Tudo iria terminar no ano seguinte, quando a nova república laicizaria a estrutura e os rituais da universidade.
Nuvens negras começavam a ensombrar o horizonte político da monarquia mas D. Manuel permanecia alheio à inquietação da elites republicanas, fortemente influenciadas pela Carbonária e pela Maçonaria. Em Julho e Outubro, o rei visita unidades militares, onde verifica que os oficiais lhe mantém o testemunho de fidelidade. Um ano depois, face à eclosão da revolta republicana de 5 de Outubro, o Exército, contrariamente ao que o soberano esperaria, não manifestou significativa resistência. Exilou-se o rei para Inglaterra e jamais tornaria a pisar o solo da pátria que o vira nascer. Perdera o reino sobre o qual lhe haviam ensinado, na sua criação e educação, ganhara um dia a governar, por direito próprio e por direito divino. Era a sua convicção. Mas, o povo, mais uma vez, como o faz continuamente, ao longo da História, cortou-lhe, abruptamente, a sua vontade, confirmando, mais uma vez, que é sua a última palavra, e que a única vontade realmente determinante para fixar o rumo da História é a sua.
Marcava-se assim, pela mão da República, uma nova época para Portugal.
Por: Anabela Melão - Co-fundadora da Academia de Estudos Laicos e Repúblicanos
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