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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

UM ALPIARCENSE EM SÃO TOMÉ

António Cristóvão
«Só umas conservas para vender»


Quando chegou, ainda se morria de paludismo. A hipótese de voltar a Portugal pôs-se por mais de uma vez. Mas ficou. «Vinha com o objetivo de trabalhar, mais nada», diz António Cristóvão, nascido em Alpiarça em 1977, proprietário da Intermar, também conhecida como o «supermercado português», no centro da cidade de São Tomé. «Olhava-se em volta, via-se pessoas próximas doentes, havia muitas mortes», recorda. «Mas pensei sempre: se os outros não se vão embora, também não vou», ainda que, a princípio, a permanência fosse no condicional – «vim para ver como as coisas iriam correr».
António veio em novembro de 1997, seis meses depois de os pais comprarem a loja, que estava como que abandonada, «com muito pouca coisa, só umas conservas para vender e pouco mais, além de três empregados que estavam atrás do balcão sem nada para fazer».
O choque inicial não foi só devido ao paludismo. «Tinha 20 anos, vinha de uma realidade diferente. A mudança foi demasiado drástica: não havia, nem há, centros comerciais, cinemas. Às dez da noite, acabava a televisão». Começou por ajudar o pai e a mãe, como «fiel de armazém».
Então, como hoje, deitava-se «às 21h30 e às 5h00» estava a pé. O ritmo de trabalho é idêntico, o negócio é que «foi evoluindo». Explica: «Para ter uma ideia, se hoje fazemos um contentor com um único produto», nos primeiros anos, «era um único contentor com todos os produtos lá dentro, e em pequenas quantidades».
Nos 17 anos que leva em São Tomé, António nota diferenças, por exemplo nos hábitos alimentares: «passou-se do leite em pó para o UHT, não se consumia nem fiambre nem queijo, porque nem todos tinham capacidade para comprar um frigorífico».
O desafio inicial foi o de convencer «as pessoas a entrar no supermercado. Não vinham porque pensavam que era tudo muito caro». Foi preciso «mostrar que éramos honestos, que estávamos aqui para servir bem e para ficar». A loja acabou por ter sucesso. «Foi uma verdadeira pedrada no charco. Era muito diferente de tudo o que havia no final dos anos 1990 no arquipélago». Esta realidade está a mudar, com o aparecimento de um primeiro grande supermercado, das lojas de chineses e outras, «o que obriga a desenvolver a pôr a fasquia mais alto».
Casado desde 2000 e com um filho nascido em 2002, que frequenta o instituto diocesano, a mulher ajuda-o na loja, «trata de tudo o que tem a ver com o público, enquanto eu lido com a parte administrativa, informática, encomendas». António tem hoje sob sua responsabilidade 40 empregados fixos.
A hipótese de voltar a Portugal colocou-se uma segunda vez. Em julho de 2003, o filho não devia ter mais de um ano. «Deviam ser duas ou três da manhã quando vejo aparecer no nosso quintal um militar a disparar à toa com uma kalashnikov e começam os tiros também do outro lado do quintal», [onde morava a então a primeira-ministra Maria das Neves, alvo de uma tentativa de golpe de Estado]. «Não aconteceu nada a ninguém, mas as marcas ficaram». Ainda assim, manteve-se firme e, se algum dia regressar, deixará raízes: «Quero guardar aqui uma casa».

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