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domingo, 7 de dezembro de 2014

CULTURA AVIEIRA: RELIGIOSIDADE DOS AVIEIROS

Por: Lurdes Véstia
Ao contrário do que é usual entre as comunidades de pescadores, os Avieiros não possuíam nenhum patrono especial. Na Vieira, os pescadores têm especial devoção por São Pedro, existindo até festas religiosas dedicadas àquele santo, mas a vida nómada no rio contribuiu certamente para a diminuição das práticas religiosas.
No entanto, os Avieiros são crentes e católicos não praticantes. Quando perguntei se iam à igreja, esta foi uma das respostas obtidas: ", eu sou católico desde piquenino ehe-de ser sempre." A localização das igrejas poderia ser um fator explicativo, mas algumas delas ficam a pouco mais de 15 minutos de caminho…
A manifestação religiosa, mais significativa, das comunidades Avieiras realiza-se durante as festas que têm como objetivo homenagear o santo da devoção. Normalmente reveste-se de uma procissão fluvial onde todos participam com os seus barcos engalanados que serão benzidos durante a cerimónia religiosa.
Durante o trabalho, de investigação e compilação, realizado para a construção dodossier de candidatura da cultura Avieira a património imaterial nacional fui confrontada com o facto de não existir um santo aglutinador de todas as comunidades. Nas várias reuniões tidas com as diferentes associações de pescadores Avieiros resolveu-se então propor ao Bispo de Santarém a bênção e consagração de uma imagem de Nossa Senhora a que apelidámos - dos Avieiros e do Tejo. Esta imagem é agora o símbolo da religiosidade de TODAS as comunidades Avieiras do Tejo e Sado.
Com a criação de Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo apareceu a ideia da organização de uma peregrinação fluvial que levasse a imagem a todas as comunidades Avieiras, descendo o Tejo desde Constância até Trafaria – Cruzeiro Religioso do Tejo, e onde os peregrinos se fazem transportar em barcos típicos do Tejo.
A primeira peregrinação de que tenho conhecimento terá sido a que a família de Nazaré (Maria, S. José e Jesus) realizou até ao templo de Jerusalém e que me permite alcançar o mais relevante do objetivo e da espiritualidade desta prática religiosa. Vou somente referir dois ou três apontamentos básicos. O objetivo desta família era obedecer à lei do seu Deus, indo até ao Seu templo para o adorar. Esta é uma clara manifestação da consciência da sua identidade e da sua missão.
Qualquer um que se faz peregrino foca-se numa Fé e procura algo que o guia no seu caminho e o faça entrar na comunhão com essa Fé. A consequência da peregrinação será o crescimento em sabedoria, experiências e estado de satisfação interior diante do sagrado e dos homens.
No que diz respeito ao Cruzeiro Religioso do Tejo posso comprovar que o trajeto é marcado pela experiência da confraternização com os outros peregrinos, com a população em geral e pela festa. Quer ao longo do rio quer nos pontos de paragem, a peregrinação fluvial proporciona, de várias formas, a ocasião para exprimir fraternidade e interajuda, para dar lugar a momentos de confraternização e amizade e para soltar manifestações de espontaneidade, muitas vezes reprimidas.
Uma das consequências desta peregrinação fluvial, tanto durante o percurso como nas paragens, é que os peregrinos demonstram espontaneamente os seus sentimentos no meio das pessoas com as quais se encontram e com as quais interagem.
Os atos, a expressão e o espírito dos peregrinos desencadeiam, frequentemente, admiração em quem os escuta e observa e não é raro o desejo de participar da mesma experiência. Esta comunhão envolve igualmente, em certo sentido, a natureza que circunda o Cruzeiro e a Imagem de Nª Srª, cuja beleza, espiritualidade e simbolismo o peregrino admira e se sente levado a respeitar.
Este Cruzeiro, ou peregrinação fluvial, tem aspetos relevantes que contribuem para alcançar os objetivos definidos. É importante, antes de mais, ter em conta os diversos momentos: a partida, o percurso, as dinâmicas ao longo do trajeto, a chegada ao lugar de pernoita, a permanência, o retomar da viagem... Cada um destes momentos tem o seu significado e contribui para o resultado da peregrinação.
A visita às Igrejas, onde se faz a pernoita da Imagem de Nª Srª, é a memória viva da manifestação do sagrado e constitui uma ocasião para meditar e deixar-se penetrar pela paz que aí se respira. A evocação e a contemplação da Imagem, no meio de outros sinais e símbolos católicos, permite aos peregrinos experienciar o silêncio e beneficiar do seu efeito pacificador.
Não posso deixar de referir a participação nas celebrações sacramentais, sobretudo as Eucaristias (Missas) e as Procissões, onde os peregrinos vivem a fé e sentem a comunhão com ela. É durante estas celebrações que se faz o encontro, a confraternização e a comunhão com a população local e que vêm dar um toque mais concreto e humano à peregrinação.
Os objetivos e os aspetos relevantes do Cruzeiro Religioso do Tejo reveem-se na devoção prestada à Virgem Maria em todos os momentos desta peregrinação fluvial. Estar com a Imagem de Nª Srª, contemplá-la, cantar-lhe louvores e manifestar-lhe gratidão constituem as evidências mais sentidas desta peregrinação fluvial.
Tudo tem este traço e gira à volta deste foco. De certo modo, estas palavras valem para todos os que integram as manifestações religiosas ao longo do percurso do Cruzeiro e significam que a Virgem Maria continua a amparar todos os que procuram e encontram nela proteção.

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