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domingo, 19 de outubro de 2014

CULTURA AVIEIRA: Pescadores vareiros no rio Tejo

Por: Lurdes Véstia

Hoje vamos falar dos pescadores que, depois de terminada a safra na costa de Ovar nos meses de invernia, se dirigiam para o Rio Tejo com o propósito de pescarem, principalmente, o sável mas também outras espécies de peixes. Eram conhecidos como vareiros, embora este apodo se aplicasse igualmente aos naturais da bacia do Rio Vouga, nomeadamente da Murtosa, Pardilhó, Aveiro e Ílhavo.
A propósito deste apodo, Maria Micaela Soares na Revista “ Varinos” (1989) refere que “ (…) no primeiro quartel do século XVIII, o termo não aparece ainda dicionarizado com o significado em questão, mas apenas como espécie de barco”. É de referir que da 1ª à 7ª edição do Dicionário de Morais (1789 a 1878) o termo não está inscrito e só a partir da 8ª edição (1890-91), se inscreve o atual valor semântico da forma masculina e feminina: “o que é da costa marítima; vareiro; mulher de Ovar; ovarina; vareira” e na 10ª edição já se acrescenta “filhos de Ílhavo”.
Após investigações nos livros de óbitos de Vila Franca de Xira (6, 7 e 8), entre 1811 e 1816, foi possível encontrar um assento que refere que faleceu na “falua da carreira de Valada”, com destino a Vila Franca de Xira, para cujo hospital se dirigia, um indivíduo natural da Vila de Ovar.
É a partir de 1825 que se começa a fixar gente de Ovar em Vila Franca de Xira. Nos anos de 1832 e 1833 a epidemia de cólera (morbus) matou muita gente varina acolhida nesta Vila, incluindo Ílhavos e Murtoseiros (já o mesmo foi por mim estudado e registado, para a população pescadora da região de Santarém, no livro Avieiros-Dores e Maleitas, 2011). Num inventário de doentes, respeitante à admissão no Hospital de Beneficência da Terra, consta um elevado número de varinos e praticamente todos com o apontamento de “moradores na Vila”.
Há registo de um assento de óbito feito na Azambuja, a 27 de Abril de 1833, onde se lê o seguinte: “ (…) Faleceu quase repentinamente e por isso sem sacramentos, Manuel Pinto Nunes, casado com Maria de São João, natural da Villa de Var, termo da Feira e moradores nos limites do campo desta freguesia, à borda do Tejo, no sítio chamado Corte dos Cavalos. O defunto foi conduzido pelos seus companheiros na pescaria, os patrícios Ventura Pereira Ganço e João de Oliveira Paixão.
É sabido, pelos informantes mais antigos, que a Vala da Azambuja foi dos lugares da Borda-d’Água a serem mais cedo ocupados por estes marítimos, nas suas migrações pendulares.
Durante a investigação que realizei, nos livros de assentos de entrada de doentes do antigo Hospital da Misericórdia de Santarém, encontrei três indivíduos de Ovar, que tudo indica terem sido pescadores do rio, a viverem nos barcos e a vaguearem pelo Tejo, e que a seguir transcrevo: “Aos 23 de Janeiro de 1859, deu entrada no Hospital, José Rodrigues Cavado, de 32 anos, natural de Ovar, de profissão e residência desconhecidas, casado com Rosa Gomes. Entrou vestido com farrapos. Teve alta a 3 de Fevereiro”; “Aos 14 de Maio de 1860, deu entrada no Hospital, José de Oliveira, de 52 anos, natural de Ovar, de profissão e residência desconhecidas, casado com Maria da Piedade. Entrou vestido com calças, camisa, camisola, chapéu, manta, ceroulas sapatos, tudo usado. Teve alta a 18 de Maio”; “ Aos 5 de Setembro de 1869, deu entrada no Hospital, António Pereira da Cunha, de 46 anos, natural de Ovar, de profissão e residências desconhecidas, filho de Pedro Fernando da Cunha e Catarina Pereira da Cunha. Entrou vestido com calças, colete, camisa, barrete meio usado, e um farrapo de cobertos. Teve alta a 13 de Setembro.”
Foi voz corrente que os varinos terão chegado às praias do Tejo após a construção do caminho-de-ferro do Norte (1864), com a ligação entre Lisboa e Vila Nova de Gaia. Contudo e após investigações realizadas, e ainda que esse facto tenha contribuído para um maior afluxo dessas migrações, a sua vinda, a princípio pendular, ocorreu muito mais cedo.
«Foto: Vareiros em Vila Franca de Xira»

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