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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

“Uma casa Portuguesa”

“Numa casa portuguesa fica bem, pão e vinho sobre a mesa”. Assim se cantava nos anos 50 em Portugal. Podia não haver mais nada mas havia pão e vinho porque o governo garantia que o pão e o vinho não aumentassem de preço...
“E se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente”. Portugal era pobre. Vivia como pobre. Tinha mentalidade de pobre. E não tinha vergonha, como tem hoje, em ser pobre. Havia fome, como a há hoje, mas nessa altura não se escondia a fome, ajudava-se na fome porque “a alegria da pobreza está nessa grande riqueza de dar e ficar contente”.
Hoje não temos alegria na pobreza, nem temos alegria na riqueza fingida que queremos ter. Somos um país de ilusões, de mentiras. É esse o exemplo que nos é dado por quem nos governa. O exemplo das grandes obras, do esbanjamento, da hipoteca, dos grandes carros, do luxo. E Portugal habituou-se a viver das hipotecas e hipotecou o futuro.
Na pobreza antiga os portugueses tinham a sua casa, pequena e singela, sem luxos, “quatro paredes caiadas”. A comunidade assim o assegurava e, nas aldeias, todos tinham o seu lar. Os meus avós eram pobres, muito pobres, mas tinham uma pequena casa, de paredes caiadas onde criaram 4 filhos. Cada um desses filhos conseguiu ter a sua casa própria. Umas maiores que as outras mas todos têm o seu lar. Já os filhos desses filhos têm hipotecas... Mas afirmamos que a nossa qualidade de vida aumentou e ficamos contentes com aquilo que o progresso nos trouxe.
Nos anos 50 tínhamos “pouco, poucochinho” e o que tínhamos era nosso e éramos nós que o criávamos. Tínhamos o vinho que fazíamos, o chouriço do porco que criávamos, o pão que cozíamos, o azeite que produzíamos, os legumes que cultivávamos... e bastava “pouco, poucochinho p’ra alegrar uma existência singela”, “só amor, pão e vinho e um caldo verde verdinho a fumegar na tigela”. Todas as terras tinham o seu médico benfeitor. Aquele que curava em troca de uma galinha ou de um bolo acabado de fazer e a saúde era conseguida com aquilo que produzíamos. O médico, esse, era respeitado quase como qualquer santo a quem se rezava. Muitas terras têm, ainda hoje, uma estátua aos médicos desses tempos, ou conservam as casas onde eles viveram com uma placa para que todos saibam que ali morou um homem que muito ajudou a comunidade. Mas o Estado assegurou que a saúde passasse a ser pública e hoje temos centros de saúde, moderníssimos, sem médicos ou com médicos que ninguém conhece e aos privados, que o são pelo negócio, poucos podem ir. Tínhamos também um estado que não nos perseguia tanto para lhe darmos o que produzíamos como faz hoje nestes tempos de fartura e de “facilidade”.
Hoje temos muito, em comparação com o que tinham os nossos avós, mas nada nos pertence. E, no muito que temos, sentimo-nos infelizes porque temos pouco. Temos pouca segurança, temos preços altos e dificuldade em colocar a comida na mesa, temos uma saúde que se paga, cada vez mais, temos uma educação que se paga, cada vez mais. Temos estradas, infra-estruturas e progresso mas não temos o essencial: a modéstia de aceitar que somos um país pobre que, enquanto não tiver condições para ser rico, tem de reaprender a viver na “alegria da pobreza”.
Por:
Sara Jofre

3 comentários:

Daniel Coelho disse...

Daniel Coelho: Fantastico!!! Um retrato perfeito do que é Portugal e os Portugueses!!! Parabens pelo artigo.
(Do Facebook)

Anónimo disse...

Portugal definido em meia dúzia de linhas.

«Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando
comprovar que o dinheiro flui para quem negoceia não com bens, mas com favores; quando perceber que
muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles,
mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada,
e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que
sua sociedade está condenada».

Ayn Rand
(São Petersburgo, 2 de Fevereiro de 1905 — Nova Iorque, 6 de Março de 1982

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto. Digno de figurar em qualquer jornal de grande tiragem.