Passos Coelho decidiu ir ao Conselho Europeu garantir que Portugal não será a Grécia. Uma posição arriscada, no mínimo. Ninguém espera que Lisboa se torne a nova Atenas, claro. Mas há um oceano de incerteza quanto ao futuro económico de Portugal mesmo que o governo cumpra à risca a terapêutica da troika.
Por muito que Merkel tenha gostado de ouvir "o Pedro", como disse a chanceler, Portugal não tem muito a ganhar em juntar-se ao coro que pega em bastões para vergastar o governo de Atenas. A propósito, Angela Merkel não poupou elogios a José Sócrates e o seu PEC IV. Disse em Março, sem papas na língua, que a oposição partidária em Portugal foi "irresponsável" em vetar o dito PEC. Referia-se, naturalmente, "ao Pedro".
O verdadeiro teste de Portugal será o regresso aos mercados de capitais em dois anos, mesmo que o país consiga cumprir todas as metas de redução do défice, reestruturação do Estado e da economia, do arrendamento, da banca e do mercado de trabalho.
A realidade tem contrariado as previsões do FMI sobre a recessão económica e o desemprego na Grécia e na Irlanda. O regresso ao mercado de capitais de ambos vai demorar mais que o esperado. Até porque existe um problema sistémico na zona euro e o núcleo crise (a banca) não teve ainda solução satisfatória. Basta ver a evolução dos spreads da dívida portuguesa, irlandesa e grega face aos bunds germânicos: o fosso é cada vez maior, apesar da consolidação orçamental.
Contra isto não há muito que Passos Coelho possa fazer. As economias avançadas juntaram-se num movimento perigoso e estão todas a fazer o mesmo ao mesmo tempo: cortam despesa e investimento, poupam, pagam dívida.
Na zona euro, a política monetária começou a apertar o torniquete por causa da inflação importada e do crescimento alemão. EUA e Japão esperam melhor dias. Os emergentes apertam o garrote para controlar a inflação e o sobreaquecimento.
Ora não é possível que Estados, governos, famílias e empresas tenham excedentes simultâneos. É justamente porque todos procuram o mesmo objectivo que a crise será mais prolongada. Também não é possível que toda a gente embarque em privatizações simultâneas - um problema para os periféricos. Países como Portugal têm de equilibrar o défice externo, o que depende das compras dos países excedentários, que, curiosamente, não estão a consumir.
Passos Coelho deve fazer o seu trabalho de casa, como a Grécia está a fazer o seu. E rezar pelo melhor. Atenas reduziu o défice orçamental 5 pontos do PIB num ano em que a economia contraiu 4,5%. Notável. Só a Irlanda fará melhor este ano se reduzir o défice de 32,4% para 10,6%. Os gregos cortaram 15% aos salários públicos, podaram 10% das pensões, diminuíram 10% dos funcionários públicos, aumentaram o IVA 4 pontos. Os impostos sobre o consumo cresceram 30%. A Defesa levou a maior talhada de sempre. A idade da reforma aumentou e o respectivo cálculo baseia-se nas contribuições de uma vida - o FMI diz que é uma das mais "agressivas reformas na Europa". A Grécia cilindrou os custos de contratação e as indemnizações por despedimento. Esmagou a remuneração das horas extraordinárias. Dos 1034 municípios sobram 325. Liberalizou o transporte rodoviário. Desregulou as profissões. Os custos unitários do trabalho desceram e as exportações aumentaram. A Grécia já fez muito do que Passos Coelho tem ainda por fazer. O resultado não é agradável.
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