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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Assunção Esteves. "O lado fracturante do PSD"

"Um espírito livre." Quem a conhece descreve assim Assunção Esteves, a primeira mulher a tornar-se presidente da Assembleia da República. Tem personalidade vincada - há quem lhe chame "temperamentozinho" - e não hesita em pôr as suas convicções à frente do que dita o partido de que é militante, o PSD.
Em 1986, apoiou a candidatura presidencial de Mário Soares, contra o candidato do PSD e CDS, Diogo Freitas do Amaral. E em 1998 foi a favor no referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. "É uma mulher ousada e de risco. É o lado mais fracturante do PSD", afirma ao i Francisco José Viegas, secretário de Estado da Cultura e colega de escola de Assunção Esteves, em Valpaços.
O Externato Municipal de Valpaços já não existe, mas foi lá que Assunção Esteves passou a adolescência. "Destacava-se pela maneira de ser. Era muito trabalhadora e dedicada à escola, mas também muito irrequieta", lembra Leonardo Batista, autarca em Valpaços e amigo de infância de Assunção Esteves. "Acabámos agora mesmo de votar por unanimidade uma congratulação na Assembleia Municipal pelo exemplo de Assunção Esteves e o prestígio que traz aos transmontanos e valpacenses", diz.
Cedo se dedicou à política, por influência do pai, Manuel Esteves, alfaiate e militante do então PPD. "Sempre adorou a política. Acompanhava o pai nas iniciativas do partido e era muito interventiva. Participava nos plenários das concelhias e as pessoas habituaram-se a ouvi-la e a respeitá-la", recorda Leonardo Batista. O pai adivinhava-lhe um futuro promissor. A propósito, Tomás Espírito Santo, engenheiro civil de Vila Real, até lembra um episódio: "Fui a Valpaços para arrancar com as estruturas do PPD lá e o contacto da concelhia era o senhor Esteves, o alfaiate. Apresentou-nos a filha com 16 ou 17 anos e era um pai babado. Dizia-nos ''Ela assimila e compreende tudo, tem qualidades fora do normal''. Achei piada à convicção do senhor Esteves e nunca mais me esqueci desse episódio."
Assunção terminou o ensino secundário em Valpaços e partiu rumo à Faculdade de Direito, em Lisboa. A Valpaços voltaria apenas nas férias, mas não perdeu a pronúncia da terra. "Citar Marx na Assembleia, mas com sotaque valpacense, é muito bom. Quem é de lá reconhece logo", afirma Francisco José Viegas. Assunção Esteves dedicou o discurso da tomada de posse a "todas as mulheres", principalmente às "oprimidas". A primeira mulher a chegar à presidência da Assembleia da República está habituada a abrir caminhos: foi também a primeira a desempenhar o cargo de juíza do Tribunal Constitucional, onde esteve entre 1989 e 1998, e a única mulher eleita para o Parlamento Europeu por Portugal em 2004. Foi com a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva que chegou ao parlamento. Mais tarde foi escolhida pelo primeiro-ministro para discutir a revisão constitucional de 1989, com António Vitorino, eleito pelo então secretário-geral socialista Vítor Constâncio.
Social-democrata convicta, Assunção Esteves foi casada durante 14 anos com José Lamego, ex-dirigente do PS. Não tiveram filhos. "Reconheço-lhe uma grande integridade pessoal e moral. E muita inteligência", afirma ao i José Lamego. Por essa altura conhece João Soares, deputado socialista: "Pensa pela sua própria cabeça e, apesar da identidade partidária clara, toma posições que não são ortodoxas do ponto de vista político", diz. "Tem o seu temperamentozinho, mas grandes qualidades para prestar um bom serviço na Assembleia", acrescenta. Também Eduardo Cabrita, deputado do PS, nota o "espírito livre" de Assunção Esteves e as suas posições "nem sempre convergentes" com o PSD. Vitalino Canas, do PS, recorda os tempos de juventude: "Mantém a mesma jovialidade. É, das pessoas que conheço, a que menos mudou e manteve a frescura de espírito. O que é hoje é o que já era há 20 anos: livre, frontal, não está com meias-tintas para dizer o que pensa."
Apoiante de primeira hora de Passos Coelho, Assunção esteve ao seu lado logo na primeira candidatura a líder do PSD contra Ferreira Leite. Torna-se presidente da mesa da distrital de Lisboa, integra o conselho de administração do Instituto Sá Carneiro e é ainda presidente da assembleia da Junta de Freguesia dos Prazeres, em Lisboa. "Tem um grande orgulho em ser a primeira mulher presidente da Assembleia, refere muitas vezes isso, mas não é uma feminista no sentido histórico do termo", afirma Carlos Carreiras, presidente do Instituto Sá Carneiro. Carreiras elogia o "grau de independência, mas com lealdade" em relação ao partido e revela uma característica da mulher que irá liderar o parlamento: "Fala muito. Fala bem. Mas depressa."
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