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domingo, 11 de novembro de 2012

Prescrição médica baseada em evidências

Por: Antonieta Dias (*)

Por definição a medicina baseada em evidências é um método científico aplicado na prática médica, em que as evidências traduzem provas científicas.
Toda a prática médica tem por base o raciocínio e decisão clínica sustentadas em provas científicas, que habilitam os médicos a utilizarem de forma conscienciosa a sua experiência clínica na interpretação e aplicação dos seus conhecimentos no tratamento dos seus pacientes sempre suportados nos resultados dos estudos científicos.
Archie Cochrane, pesquisador britânico autor do livro Effectiveness and Efficiency: Random Reflections on Health Services (1972), foi um dos promotores da medicina baseada em evidências.
A prescrição médica exige um conhecimento profundo, em todas as áreas e a aplicabilidade terapêutica obriga o médico a prescrever os fármacos em que os benefícios reunidos e agrupados de forma sistemática, resultam das pesquisas específicas decorrentes da investigação dos fármacos que melhor se ajustam à patologia do doente cuja eficácia no tratamento individualizado tem como objectivo a cura do problema de saúde do paciente.
Para uma prescrição terapêutica adequada há necessidade de respeitar quatro itens: a patologia, a utilização de fármacos já testados como eficazes, as interacções medicamentosas e a eventual reacção adversa ao fármaco utilizado.
Infelizmente existem cada vez mais doentes polimedicados, devido às múltiplas patologias que padecem, sendo que o uso simultâneo de mais de um fármaco, pode levar a situações indesejáveis resultantes das interacções medicamentosas, que nalguns casos podem potenciar ou anular o efeito terapêutico do medicamento que estamos a utilizar naquele doente e para aquela patologia, podendo até ser responsáveis por quedas, designadamente nos idosos, representando um motivo frequente de atendimentos no serviço de urgência.
Ser assertivo na prescrição terapêutica implica ainda estar atento aos efeitos colaterais dos fármacos e esclarecer adequadamente os doentes para eventuais reacções adversas (malefícios) que as terapêuticas instituídas podem desencadear.
Importa, ainda referir que existem dois tipos de interacções medicamentosas: as farmacocinéticas e as farmacodinâmicas, sendo as primeiras responsáveis pelo processo de absorção, distribuição, metabolização e eliminação das mesmas, podendo ser modificadas quando se administram outros fármacos em simultâneo, alterando por si só as concentrações plasmáticas e a consequente quantidade de fármaco disponível e as segundas surgem nos locais de ação dos fármacos, directamente associadas aos mecanismos pelos quais se processam os efeitos terapêuticos desejados para o tratamento da doença.
As interacções de efeito, surgem quando se utilizam dois ou mais fármacos usados concomitantemente e que têm ações farmacológicas similares ou opostas, produzindo sinergias ou antagonismos sem alterar a farmacocinética ou mecanismo da acção dos fármacos utilizados, havendo por isso necessidade de algumas correções e adaptações de medidas antecipatórias, para minimizar estes riscos.
Temos como exemplo a proibição de bebidas alcoólicas quando se utilizam anti-histamínicos hipnóticos ou sedativos.
Imaginemos ainda que temos um doente hipertenso medicado com Bloqueadores Beta (Acebutolol, Atenolol, Bisoprolol, Nebivolol, Propanolol), e que necessita de realizar um exame complementar de diagnóstico, em que é necessária a utilização de produtos de contraste iodados, 
Com efeito, a associação de meios de contraste radiológico iodados com beta-bloqueadores está associada a reacções de hipersensibilidade mais grave designadamente em doentes com asma brônquica, pois os beta bloqueadores diminuem as reacções cardiovasculares de compensação.
Assim, para evitar estas complicações os beta-bloqueadores deverão ser interrompidos antes do exame radiológico, caso não seja possível pela imprevisibilidade e urgência da situação gerada deve ter-se à mão os meios de reanimação necessários, para uma eventual ressuscitação do doente.
Se extrapolarmos estas situações para os doentes idosos, polimedicados, agravadas quando aplicadas ao idoso fragilizado, a nossa atenção tem de ser ainda mais apertada, pelo risco inerente.
Podemos até questionarmo-nos se existem ou não marcadores clínicos e biológicos que nos indiciem para a existência de um síndrome de fragilidade no idoso.
O que sabemos é que apesar da idade ser um fator de risco importante, que por si só representa já um grau de vulnerabilidade maior na reacção aos fármacos instituidos, acrescida ainda pelo fato de uma percentagem elevada de idosos, viver sozinho.
Estes idosos que vivem sós, apesar de possuírem independência para os atos da vida diária, não excluem que o seu risco seja inferior ao do idoso dependente, bem pelo contrário, exigem uma vigilância permanente e uma precocidade de reavaliação terapêutica periódica mais curta, relativamente à população em geral.
Sem prejuízo de uma avaliação da funcionalidade dos órgãos, relacionada com a fisiopatologia do envelhecimento, que se traduz em perdas funcionais importantes, decorrentes do processo biopsicossocial do idoso e das morbilidades que o fragilizam, implicam um acompanhamento domiciliário permanente pelos profissionais da saúde.
Porém, o factor idade não representa se avaliado isoladamente um marcador de desgaste orgânico, que indicie ou permita classifica-lo como marcador biológico de vulnerabilidade, e muito menos ser decisivo para ser classificado como indicador inequívoco de maior risco de doença.
Devemos pois, considerar como marco de referência a faixa etária do doente idoso, apenas com a expectativa biológica envolvida num processo de envelhecimento humano, que pode resultar, do ponto de vista individual em modificações biológicas mais ou menos diferenciadas.
A preservação da autonomia e a vivência de um envelhecimento saudável, são essenciais para minimizar uma boa parte dos factores de risco associados ao idoso.
Os estudos apontam que cerca de 80% dos indivíduos classificados como idosos, necessitam de cuidados médicos, designadamente preventivos para conseguirem viver autónomos e independentes.
Porém, não nos podemos esquecer que este grupo populacional devido às suas múltiplas patologias os tornam dependentes de associações terapêuticas para o controlo das morbilidades, representado um custo elevado para o tratamento, das doenças agudas ou crónicas daí decorrentes e que podem implicar por vezes internamentos hospitalares mais ou menos prolongados, devido à gravidade e complexidade que a perda funcional desencadeada por estas doenças pode originar.
Segundo Hogan et al.14, 22, a definição de fragilidade pode estar dependente de três fontes distintas:
1-dependência nas actividades de vida diária (AVDs) e nas actividades instrumentais de vida diária (AIVDs);
2-vulnerabilidade ao stresse ambiental, às patologias e às quedas;
3-estados patológicos agudos e crónicos
Em suma, analisando todos os parâmetros que podem influenciar a ação interventiva da farmacoterapia no tratamento das doenças, cujo grau de conhecimento não é empírico mas resulta da investigação científica prévia, devidamente documentada para sustentar uma prescrição individualizada e adequada não só ao tipo de patologia, como à variabilidade individual e à resposta terapêutica de cada pessoa, ao efeito dos medicamentos prescritos, é um acto médico que exige um profundo conhecimento do manuseamento desses mesmos fármacos, pelo que não é possível banalizar o acto médico de prescrição terapêutica por uma mera substituição do medicamento com fins essencialmente economicistas, e por pessoas que não estão habilitadas para tal.
Prescrever um fármaco para o tratamento de uma doença exige do profissional médico uma responsabilidade enorme pelo risco de vida que pode desencadear no doente.
Todo o doente tem direito a exigir que o acto médico de prescrição terapêutica seja baseado em evidências científica, sendo essa competência exclusivamente médica, não sendo por isso possível transferir esta responsabilidade, para outros profissionais, inviabilizando assim a substituição dos medicamentos, por outros profissionais que não sejam médicos.
(*) Doutorada em Medicina

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