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Por
definição a medicina baseada em evidências é um método científico
aplicado na prática médica, em que as evidências traduzem provas
científicas.
Toda a prática médica
tem por base o raciocínio e decisão clínica sustentadas em provas
científicas, que habilitam os médicos a utilizarem de forma
conscienciosa a sua experiência clínica na interpretação e aplicação dos
seus conhecimentos no tratamento dos seus pacientes sempre suportados
nos resultados dos estudos científicos.
Archie Cochrane, pesquisador britânico autor do livro Effectiveness and Efficiency: Random Reflections on Health Services (1972), foi um dos promotores da medicina baseada em evidências.
A
prescrição médica exige um conhecimento profundo, em todas as áreas e a
aplicabilidade terapêutica obriga o médico a prescrever os fármacos em
que os benefícios reunidos e agrupados de forma sistemática, resultam
das pesquisas específicas decorrentes da investigação dos fármacos que
melhor se ajustam à patologia do doente cuja eficácia no tratamento
individualizado tem como objectivo a cura do problema de saúde do
paciente.
Para uma prescrição
terapêutica adequada há necessidade de respeitar quatro itens: a
patologia, a utilização de fármacos já testados como eficazes, as
interacções medicamentosas e a eventual reacção adversa ao fármaco
utilizado.
Infelizmente existem cada
vez mais doentes polimedicados, devido às múltiplas patologias que
padecem, sendo que o uso simultâneo de mais de um fármaco, pode levar a
situações indesejáveis resultantes das interacções medicamentosas, que
nalguns casos podem potenciar ou anular o efeito terapêutico do
medicamento que estamos a utilizar naquele doente e para aquela
patologia, podendo até ser responsáveis por quedas, designadamente nos
idosos, representando um motivo frequente de atendimentos no serviço de
urgência.
Ser assertivo na prescrição
terapêutica implica ainda estar atento aos efeitos colaterais dos
fármacos e esclarecer adequadamente os doentes para eventuais reacções
adversas (malefícios) que as terapêuticas instituídas podem desencadear.
Importa,
ainda referir que existem dois tipos de interacções medicamentosas: as
farmacocinéticas e as farmacodinâmicas, sendo as primeiras responsáveis
pelo processo de absorção, distribuição, metabolização e eliminação das
mesmas, podendo ser modificadas quando se administram outros fármacos em
simultâneo, alterando por si só as concentrações plasmáticas e a
consequente quantidade de fármaco disponível e as segundas surgem nos
locais de ação dos fármacos, directamente associadas aos mecanismos
pelos quais se processam os efeitos terapêuticos desejados para o
tratamento da doença.
As interacções
de efeito, surgem quando se utilizam dois ou mais fármacos usados
concomitantemente e que têm ações farmacológicas similares ou opostas,
produzindo sinergias ou antagonismos sem alterar a farmacocinética ou
mecanismo da acção dos fármacos utilizados, havendo por isso necessidade
de algumas correções e adaptações de medidas antecipatórias, para
minimizar estes riscos.
Temos como exemplo a proibição de bebidas alcoólicas quando se utilizam anti-histamínicos hipnóticos ou sedativos.
Imaginemos
ainda que temos um doente hipertenso medicado com Bloqueadores Beta
(Acebutolol, Atenolol, Bisoprolol, Nebivolol, Propanolol), e que
necessita de realizar um exame complementar de diagnóstico, em que é
necessária a utilização de produtos de contraste iodados,
Com
efeito, a associação de meios de contraste radiológico iodados com
beta-bloqueadores está associada a reacções de hipersensibilidade mais
grave designadamente em doentes com asma brônquica, pois os beta
bloqueadores diminuem as reacções cardiovasculares de compensação.
Assim,
para evitar estas complicações os beta-bloqueadores deverão ser
interrompidos antes do exame radiológico, caso não seja possível pela
imprevisibilidade e urgência da situação gerada deve ter-se à mão os
meios de reanimação necessários, para uma eventual ressuscitação do
doente.
Se extrapolarmos estas
situações para os doentes idosos, polimedicados, agravadas quando
aplicadas ao idoso fragilizado, a nossa atenção tem de ser ainda mais
apertada, pelo risco inerente.
Podemos
até questionarmo-nos se existem ou não marcadores clínicos e biológicos
que nos indiciem para a existência de um síndrome de fragilidade no
idoso.
O que sabemos é que apesar da
idade ser um fator de risco importante, que por si só representa já um
grau de vulnerabilidade maior na reacção aos fármacos instituidos,
acrescida ainda pelo fato de uma percentagem elevada de idosos, viver
sozinho.
Estes idosos que vivem sós,
apesar de possuírem independência para os atos da vida diária, não
excluem que o seu risco seja inferior ao do idoso dependente, bem pelo
contrário, exigem uma vigilância permanente e uma precocidade de
reavaliação terapêutica periódica mais curta, relativamente à população
em geral.
Sem prejuízo de uma
avaliação da funcionalidade dos órgãos, relacionada com a fisiopatologia
do envelhecimento, que se traduz em perdas funcionais importantes,
decorrentes do processo biopsicossocial do idoso e das morbilidades que o
fragilizam, implicam um acompanhamento domiciliário permanente pelos
profissionais da saúde.
Porém, o
factor idade não representa se avaliado isoladamente um marcador de
desgaste orgânico, que indicie ou permita classifica-lo como marcador
biológico de vulnerabilidade, e muito menos ser decisivo para ser
classificado como indicador inequívoco de maior risco de doença.
Devemos
pois, considerar como marco de referência a faixa etária do doente
idoso, apenas com a expectativa biológica envolvida num processo de
envelhecimento humano, que pode resultar, do ponto de vista individual
em modificações biológicas mais ou menos diferenciadas.
A
preservação da autonomia e a vivência de um envelhecimento saudável,
são essenciais para minimizar uma boa parte dos factores de risco
associados ao idoso.
Os estudos
apontam que cerca de 80% dos indivíduos classificados como idosos,
necessitam de cuidados médicos, designadamente preventivos para
conseguirem viver autónomos e independentes.
Porém,
não nos podemos esquecer que este grupo populacional devido às suas
múltiplas patologias os tornam dependentes de associações terapêuticas
para o controlo das morbilidades, representado um custo elevado para o
tratamento, das doenças agudas ou crónicas daí decorrentes e que podem
implicar por vezes internamentos hospitalares mais ou menos prolongados,
devido à gravidade e complexidade que a perda funcional desencadeada
por estas doenças pode originar.
Segundo Hogan et al.14, 22, a definição de fragilidade pode estar dependente de três fontes distintas:
1-dependência nas actividades de vida diária (AVDs) e nas actividades instrumentais de vida diária (AIVDs);
2-vulnerabilidade ao stresse ambiental, às patologias e às quedas;
3-estados patológicos agudos e crónicos
Em
suma, analisando todos os parâmetros que podem influenciar a ação
interventiva da farmacoterapia no tratamento das doenças, cujo grau de
conhecimento não é empírico mas resulta da investigação científica
prévia, devidamente documentada para sustentar uma prescrição
individualizada e adequada não só ao tipo de patologia, como à
variabilidade individual e à resposta terapêutica de cada pessoa, ao
efeito dos medicamentos prescritos, é um acto médico que exige um
profundo conhecimento do manuseamento desses mesmos fármacos, pelo que
não é possível banalizar o acto médico de prescrição terapêutica por uma
mera substituição do medicamento com fins essencialmente economicistas,
e por pessoas que não estão habilitadas para tal.
Prescrever
um fármaco para o tratamento de uma doença exige do profissional médico
uma responsabilidade enorme pelo risco de vida que pode desencadear no
doente.
Todo o doente tem direito a
exigir que o acto médico de prescrição terapêutica seja baseado em
evidências científica, sendo essa competência exclusivamente médica, não
sendo por isso possível transferir esta responsabilidade, para outros
profissionais, inviabilizando assim a substituição dos medicamentos, por
outros profissionais que não sejam médicos.
(*) Doutorada em Medicina
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