Exmo. Sr. Presidente da C. M. de Alpiarça,
Peço licença de tomar um nadinha do seu tempo com um assunto que cuide talvez menor, mas que tem a sua importância.
Visitei
ontem a Casa dos Patudos. Fui de Lisboa nesse propósito, pois a não
conhecia. Fui recebido com uma indecorosa «agressão». O letreiro que
aponta a recepção tem um ofensivo erro de português: «RECEÇÃO» (lê-se,
obviamente, «recessão»). Reclamei dele aos funcionários e, depois, ao
Sr. Director da Casa. São pessoas atenciosas que me ouviram a reclamação
e os argumentos. E justificaram-se com o designado «Acordo Ortográfico»
e com ordens da Câmara.
Há-de
perdoar-me, Sr. Presidente, espantar-me de que a Exm.ª Câmara de
Alpiarça enverede por um descaminho que é propagandeado aos sete ventos
nas TV (sem direito nenhum de resposta ou contraditório) fazendo crer
aos incautos cidadãos num ilegítimo facto consumado. A verdade que as
televisões omitem é que o designado «Acordo Ortográfico» não é lei em
Portugal. Uma Câmara Municipal não é o comum dos cidadãos, tem outros
meios de sopesar as leis, deve agir sem precipitação e sem devastar o
património legado. – Refiro-me ao idioma, mas não só.. – Ora o designado
«Acordo Ortográfico» não está em vigor. A ortografia do português
rege-se pelo Decreto 35 228 de 8 de Dezembro de 1945, com as alterações do D.L. 32/73 de 2 de Fevereiro. São, estas, as leis da República plenamente em vigor.
O
designado «Acordo Ortográfico» é um tratado internacional. Malogrado
pelo voluntarioso II Protocolo Modificativo nos termos da Convenção de
Viena (art. 10.º – interdição de alterar o texto; e n.º 4 do art. 24.º
-- obrigação das cláusulas de entrada em vigor logo desde a adopção do
texto – ; cf. J. Faria Costa e F. Ferreira de Almeida, «O chamado ‘novo acordo ortográfico’: um descaso político e jurídico»,
D.N., 13/2/12). Nulo que é, não vigora na ordem jurídica internacional.
Não tem, assim, como suster-se na nacional. A menos que emanasse de lei
da Assembleia ou de decreto do Governo. Tal não é o caso. – E no caso o
que vemos? – Vemos as duas resoluções (R.A.R 35/2008, de 29 de Julho e
R.C.M 8/2011 de 11 de Janeiro) alcatruzando o designado «Acordo
Ortográfico» ilegitimamente como que com força de lei, fazendo tábua
rasa das verdadeiras leis em vigor. Um verdadeiro descaso jurídico, para
não dizer pior...
Foi
isto que, pese embora mais sucintamente, pude explicar às pessoas que
me gentilmente receberam na Casa dos Patudos ontem à tarde, pois que se
dispuseram a ouvir-mo por breves minutos. E só por ele me deram razão,
não deixando, por fim, de se admirar por no caso do pseudovocábulo do
letreiro à entrada não haver com certeza visitante brasileiro que o haja
de enetender. O brasileiro pronuncia audivelmente o «p» de «recepção»
e, concomitantemente, escreve-o. Ora se nem tal extravagância –
«RECEÇÃO» – consta do Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de
Letras, um dos fautores do designado «Acordo Ortográfico», com grande
probabilidade nem brasileiros instruídos reconhecerão a pseudografia
«RECEÇÃO», em havendo de visitar a Casa dos Patudos. Mais depressa
hão-de confundi-lo com a famigerada «recessão» que nos assola, em
escrita mal amanhada. «RECEÇÃO» não existe no vocabulário brasileiro
Pelo exposto, Sr. Presidente, apelo à melhor compreensão da bondade destes meus argumentos e peço-lhe que possa rever, com base neles, o mal feito, revogando por conseguinte a aplicação do designado «Acordo Ortográfico» na Exm.ª Câmara a que preside e órgãos dependentes.
Se
ainda assim entenderdes, V. Ex.ª e a Exm.ª C.M. de Alpiarça, que haveis
de manter a infausta decisão de seguir numa escrita tão desfiguradora
do nosso idoma como falaz no propósito da unificação ortográfica com o
Brasil, como ficou demonstrado, aceitai-me a resignada sugestão de se
mudar ao menos aquele nefando palavrão do letreiro da Recepção da Casa
dos Patudos. Pode fazer-se sem contrariar o designado «Acordo
Ortográfico», já que o Portal da Língua Portuguesa (que «instrói»
naquela nefanda escrita) admite a grafia «recepção»
graças ao seu uso no Brasil. Desta forma evita-se, quanto mais não seja
por mero decoro, «agredir» com grafia aberrante quem tem o gosto de
visitar a Casa dos Patudos. O caso é que, se o dito «Acordo Ortográfico»
nos junge «uma
falta de unidade na expressão estética em língua portuguesa que, no
caso em apreço, é portador de um correlativo desprestígio institucional»,
como diz um despacho da C.M. da Covilhã rejeitando-o, então havemos só
de concluir que com a grosseira escrita «RECEÇÃO» na Recepção Casa dos
Patudos se não há senão de deslustrar o finíssimo legado de José Relvas.
Aos olhos de quem o visita por o admirar torna-se, pois, a recepção o
contrário do que devia.
Com os meus agradecimentos,
[Fulano de Tal]
(Lisboa)http://biclaranja.blogs.sapo.pt/
Sem comentários:
Enviar um comentário