São 92 quilómetros de auto-estrada que ligam Mira à Marinha Grande. A A17
(concessão Litoral Centro) faz parte do corredor que constitui a segunda
auto--estrada entre Lisboa e Porto e corre o risco de ser a primeira em operação
a apresentar insolvência em Portugal.
A concessionária Brisal, empresa liderada pela Brisa, que explora esta via,
está desde Abril de 2011 em incumprimento dos rácios de cobertura de capital
impostos no contrato de financiamento. “De acordo com o contrato de
financiamento, esta situação configura um evento de default [incumprimento]”,
lê-se no capítulo da auditoria da Ernst & Young às parcerias público-privado
(PPP) dedicado a esta concessão e a cuja versão preliminar o i teve
acesso. O documento revela que em carta de 1 de Agosto de 2011, há cerca de um
ano, “o Banco Santander, no seu papel de agente das garantias em representação
dos bancos comerciais e do Banco Europeu de Investimentos (BEI), comunicou que a
concessionária não respeitou o estipulado no contrato de financiamento”.
Apesar do default técnico, expressão usada na gíria dos especialistas para o
incumprimento de rácios financeiros, “até à data não foram exercidos quaisquer
direitos de step-in”, processo pelo qual os bancos financiadores podem assumir a
exploração da concessionária, impondo ainda uma revisão das condições
contratuais. Ao que tudo indica, a Brisal ainda paga juros à banca, mas até
final do ano terá de ser encontrada uma solução para evitar um default total que
levaria à sua insolvência. Contactados pelo i, nem o Santander, nem o
BCP, que é líder do sindicato bancário, nem a Brisa quiseram comentar.
A Brisa é a maior accionista, mas não vai meter mais fundos na concessão. Por
acordo com os bancos financiadores, a empresa, controlada pelo Grupo Mello e o
Fundo Arcus, limitou a sua responsabilidade na Brisal e já reconheceu as perdas
ao nível do capital investido na concessão em 2011, de 83,2 milhões de euros. Na
mesma data, a exposição adicional da Brisa estava limitada a 8,7 milhões de
euros.
Com um volume de receitas “significativamente abaixo das expectativas” (em
média 68%), a concessionária nunca teve lucros e já tem capitais próprios
negativos, não tendo por isso condições para pagar uma dívida de 500 milhões de
euros. Entre o meio destes projectos, a concessão já é conhecida como a Lehman
Brothers das PPP (parcerias público-privadas), não obstante ter sido premiada em
2005.
A banca nacional, em particular o BCP e Caixa, está na linha da frente dos
danos colaterais de uma eventual insolvência. Apesar de o Banco Europeu de
Investimentos (BEI) ter mais de 50% do financiamento, o seu empréstimo está
protegido por garantias prestadas pelos bancos comerciais nacionais.
A Brisa avançou com um pedido ao Estado de reequilíbrio financeiro de mil
milhões de euros, que está em tribunal arbitral. O principal fundamento é a
introdução de portagens na ex-Scut Costa da Prata, uma das vias de alimentação
de tráfego na A17. A crise e o aumento dos combustíveis fizeram o resto.
Douro Litoral é a próxima A
situação da Brisal não é única. O cenário aqui descrito pode repetir-se daqui a
um ano na concessão Douro Litoral, também liderada pela Brisa, mas cuja operação
arrancou mais tarde. Também aqui há financiamento do BEI e pedidos de
reequilíbrio ao Estado.
Em tese, a insolvência de uma auto-estrada clássica não deve ser um encargo
para o Estado, já que o risco de tráfego está na concessionária, que só tem
direito às portagens, ao contrário das concessões onde há pagamentos por
disponibilidade (ex-Scut).
Mas o Estado, enquanto concedente, pode vir a intervir. A Ernst & Young
admite que, nas concessões inviáveis para os actuais níveis de dívida, a solução
possa passar pela revogação antecipada do contrato e a aquisição dos créditos a
desconto, ficando o Estado com o activo. A renegociação da concessão, no quadro
do reequilíbrio financeiro, e a insolvência da concessionária e assunção da
exploração da auto-estrada pela banca credora são as outras possibilidades. No
relatório final da Ernst & Young haverá uma avaliação dos custos e vantagens
de cada uma das opções e do valor de todos os activos das PPP.
Por Ana Suspiro/muspsantarem
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