Agosto de 2012 é um marco importante para o secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, 44 anos. Durante este mês de verão, 15
inspetores seniores da sua equipa estão a comparar os rendimentos
declarados por mais de 200 mil empresas e empresários em nome
individual com as entradas de dinheiro nas suas contas bancárias, em
2011, por via de terminais multibanco. A colaboração dos bancos foi
determinante, e não poderia ser de outra forma, pois estão obrigados a
comunicar às Finanças aquela informação embora sem revelar a identidade
de quem pagou, desde fevereiro deste ano.
Esta regra será para cumprir em 2012 e nos anos que se seguem: as
entidades financeiras têm até ao dia 31 de julho para enviar às
Finanças o relatório dos recebimentos dos seus clientes, via terminal
multibanco.
Porquê agora? "As empresas acabaram de apresentar a declaração de
rendimentos, os empresários em nome individual entregaram a declaração
de IRS, que tem os rendimentos empresariais. Além disso, ambos
apresentaram a declaração IES Informação Empresarial Simplificada. O que
se pretende é cruzar a informação que consta destas declarações com a
informação fornecida pelos bancos, e verificar se os proveitos
declarados correspondem aos pagamentos recebidos via terminal de
pagamento automático [vulgo terminais de multibanco]", explica o
secretário de Estado.
O cerco fecha-se e eliminar os pagamentos por via eletrónica parece
não ser solução para estas empresas e empresários em nome individual.
"Quando se detetar que uma empresa tinha terminal de pagamento
automático e deixou de ter, isso será tido em conta na matriz de risco
da empresa para efeitos de inspeção tributária", diz Paulo Núncio.
Quanto aos contribuintes em falta, "se forem detetadas
discrepâncias entre os valores, os empresários serão imediatamente
notificados para justificar. Caso não o façam será iniciado um processo
de fiscalização". As Finanças farão o apuramento da matéria coletável e
serão instaurados processos por ilícito de natureza fiscal.
"A ocultação de rendimentos por parte dos sujeitos passivos e a não
declaração do total dos proveitos poderão dar origem a processos-crime,
nomeadamente por fraude fiscal", garante Paulo Núncio.
O cruzamento de informação permitirá, também, detetar casos em que o
terminal de pagamento está associado a contas de terceiros, assim como
identificar contribuintes que exercem atividade, mas não estão
registados para efeitos fiscais.
No final da operação, o secretário de Estado espera recuperar "dezenas de milhares de euros."
EFEITO SURPRESA
Ao publicar, apenas em fevereiro, a portaria que obriga os bancos a
fornecer estes dados aos fisco, as Finanças tiraram partido do efeito
surpresa: os contribuintes visados por esta operação não tiveram tempo
para alterar comportamentos, leia-se, desincentivar o pagamento via
multibanco ou pura e simplesmente desistir destes terminais de
pagamento. Ou seja, o ano de 2011 servirá de benchmark futuro.
Este é apenas mais um passo na estratégia das Finanças para o
"combate sem tréguas à fraude e evasão fiscal". Com a obrigatoriedade de
utilização de sistemas de faturação certificados, já em vigor desde
abril, para entidades com volumes de negócio superiores a 125 mil
euros, e a partir de janeiro de 2013 para todos os que recebem mais de
100 mil euros, o fisco espera um efeito dominó que irá trazer para o
sistema mais dinheiro que, agora, circula na economia paralela estimada
em 25% do PIB português no mais recente estudo Economia Informal,
realizado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
A estratégia passa por controlar as vendas ao consumidor final. Se
estas se tornam formais, ou seja, conhecidas pelas Finanças, o resto
tornar-se-á tendencialmente mais transparente. Um exemplo: se um
comerciante emite fatura de todos os bens que vende, incluindo os de
menor valor, irá pagar imposto sobre essas vendas.
Logo, terá todo o interesse em pedir faturas sobre todos os bens
que compra a fornecedores, para poder deduzir esses custos e emagrecer a
fatura fiscal. Este comportamento, em cadeia, trará mais contribuintes
e mais dinheiro e transações para o sistema fiscal.
O objetivo parece fácil de concretizar junto das entidades que
faturam mais de 100 mil euros por ano e que, assim, estão obrigadas a
utilizar programas de faturação certificados, em teoria imunes a
adulterações que lesem o fisco (ver caixa Fraudes: Os 'esquemas' mais
comuns). "Os novos programas estão defendidos com duas assinaturas
encriptadas, uma do produtor do programa e outra das autoridades
tributárias, o que significa que não se consegue alterar. Mesmo que a
fatura não seja emitida, o registo fica lá", assegura o governante.
Mas como é que as Finanças vão controlar a faturação de todos os
outros agentes económicos, que faturam abaixo daquela fasquia? "Com
mais fiscalização", garante o secretário de Estado, que lembra os 350
novos inspetores que já entraram na administração fiscal este ano, os
1000 que deverão chegar antes do final do ano e os 6 mil efetivos da
antiga Brigada Fiscal da GNR, que poderão ajudar nas operações de
fiscalização. Quem não tem sequer computador ou caixa registadora?
"Terá que passar fatura manual e isso será também fiscalizado",
assegura Paulo Núncio.
E nem as feiras irão escapar.
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