Por: Anabela Melão |
Sobre o livro Má
Despesa Pública, de Bárbara Rosa e Rui Oliveira Marques.
Aqui deixo algumas
pedras de toque.
Os autores do
livro Má Despesa Pública esclareceram e concluíram, nalguns casos, alguns
aspectos sobre a incúria, a negligência e a má governação em Portugal.
Primeiro, contam como esbarram com a indiferença e a inadimplência dos gestores
da res publica. Opinam mesmo que, na raiz da corrupção, é ao nível autárquico e
nas empresas do Estado que está instalado um sentimento de impunidade que é a
mó da má gestão e da corrupção. Por exemplo, quanto pode uma moção de censura a
uma junta de freguesia? Nada. As consequências são meramente politicas.
O objectivo da
investigação dos autores foi o de “despertar consciência cívica, fomentar o
escrutínio, pois o escrutínio leva à responsabilização”.
Aponta-se já para
as autarquias como o ponto nefrálgico, mas o sector empresarial do Estado é o
mais problemático. Há uma constatação técnica da falta de recursos humanos e de
competências técnicas do Tribunal de Contas para intervir, fiscalizando, ao
nível do sector empresarial do Estado.
É nos ajustes
directos que se escondem os piores exemplos? Consideram os autores que sim. Que
o recurso frequente ao ajuste directo obsta à transparência. “O Tribunal de
Contas analisou o sector empresarial do Estado em 2007, um relatório só
especificamente sobre ajustes directos. Das 69 empresas públicas analisadas, no
total, e só nesse ano, adjudicaram 102,7 milhões de euros de despesas, sendo
que 70% das adjudicações foram feitas com recurso ao ajuste directo e só em
menos de 2,7% dos casos foi consultado mais de um prestador de serviços. Isto
espelha bem a forma de actuação do sector empresarial do Estado, quer violando
regras e princípios como o da concorrência, quer ao nível da transparência e da
relação custo-benefício. O problema do ajuste directo é que nunca sabemos – só
podemos imaginar – se não seria possível fazer o mesmo por um preço muito mais
baixo. Não sabemos, porque não há esse termo de comparação. O Estado não zela pelo
interesse público quando recorre amiúde a este tipo de contratos.”[1]
Parece-vos que há
um problema de impunidade? “O que permite que isto aconteça há décadas é a
impunidade. E só é assim, por falta de vontade. A gestão danosa está
contemplada no código penal e não é assim tão subjectiva como se sugere. Basta
pegar nos relatórios do TC. E evidente que há gestão danosa nas obras públicas.
E há falta de cultura cívica na sociedade portuguesa. O cidadão vai votar,
quando vai, e acha que termina ali a obrigação. Nas escolas, ou noutros espaços
públicos, não c fomentado o discurso cívico e é claro que o poder público não
quer transparência A administração pública quer viver como tem vivido durante
muitos anos, no secretismo. Temos um quadro legal, que começa ao nível da
Constituição portuguesa, que passa pelo código de procedimento administrativo,
que rege a actuação dos entes públicos, de uma forma geral, e vai a uma lei
específica, que é a lei de acesso aos documentos administrativos – lei que é
violada todos os dias. Nesta matéria, nem precisamos de mais leis, necessitamos
apenas que sejam cumpridas. Algumas leis são feitas para complicar. E quem é o
legislador por excelência? A Assembleia da República. E vemos a leviandade com
que muitas vezes são feitas as leis.”
O Tribunal de
Contas é ignorado? “O Tribunal de Contas é muito ignorado neste país, seja pela
sociedade civil seja pelos agentes públicos, inclusivamente pelo próprio
Ministério Público, que é o detentor da acção penal e que poderia prestar
muitas vezes outra atenção às conclusões da instituição. A única penalização
que o TC pode aplicar, quando há gestão irresponsável, são coimas. Mas os
visados nesta matéria, condenados por má gestão pública em exercício de cargos
públicos, não pagam as coimas que lhes são aplicadas, em manifesto desrespeito
pelo órgão de soberania.”
Há, pois que
repensar o sistema de avaliação e de controlo dos gestores da coisa publica.
Alargando o leque de competências do TC, elevando as coimas, localizar pontos
de actuação de perigo. Em suma, esgotem-se as vias pedagógicas, que de nada têm
servido, e reforcem-se as competências de penalização, sobretudo aumentando as
acções punidas e as coimas aplicando.
É que, perdida a
vergonha, só o “entrar no bolso” destes “tipos” funciona!
Uma década com
competências em organismos de supervisão e controlo diz-me isso!
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