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domingo, 16 de março de 2014

Miga fervida ou lapardana

Saber é conhecer, mas também é ter sabor (Galopim de Carvalho)


Os homens chegam à malta, deitam as mãos às burras, cada um com uma, toca de a espetar perto do lume, vão à caldeira os que tinham deixado bacalhau para pôr de molho, puseram o bacalhau de lado, lavaram as mãos dentro da caldeira, depois uma pinga de água dentro e lume com ela.
Era tempo da miga fervida e, para a esmagadora maioria do rancho, era esse o almoço. Logo que a caldeira fervia, couves, batatas lá para dentro daí a pouco, meio engreladas, punham o pão de milho, debulhavam uns alhos e estavam a esborrachar as migas, enquanto o bacalhau se ia assando.


Dois ou três molhos de vides para se sentarem, a cabaça ou a garrafa ao lado, umas azeitonitas e passados uns quarenta minutos estavam almoçados. Os mais novos liam para os mais velhos um jornal pequeno chamado “Avante!”, mas isto não era para todos, porque os mais velhos não estavam lá. O Zé Tomé ia arranjar um molho de lenha, o João Pires ia tratar do burrico, o José Gaspar ia tratar do carneiro e só os mais novos ouviam o Manuel Vital ou o Raul Meia-Via ler o tal jornal proibido e muito perigoso nesse tempo. (Memórias do trabalho, António Fragoso)



Em Alpiarça, ao longo de anos e anos e particularmente no inverno ou ainda nos primeiros tempos da primavera, a miga fervida foi um dos comeres que fez parte da dieta alimentar dos trabalhadores do campo.
Couve “braba” ou de todo o ano (agora, na sua falta quase certa, couve de corte), batata, broa de milho (ou pão alvo), dentes de alho, água e azeite, tudo bem esmagado, acompanhado por bacalhau assado, desfiado e bem temperado ou com sardinhas assadas (que, para os puros, deverão ser salgadas, sem cabeça), aí temos a miga fervida, um prato bem típico da nossa terra. Mas que na sua aparente simplicidade, o seu sucesso dependerá, naturalmente, da mão do “operário”.


O termo “lapardana” para alguns era quando nos ingredientes não estava presente a couve. Para outros, “miga fervida” e “lapardana” significa(va) o mesmo. 
Para António de Céu, então um dos grandes especialistas deste prato aparentemente tão simples, desde o lume “feito com lenha”, até ao bom azeite, “em que não há que ter medo em o pôr” (se o houvesse, claro), passando pela água da cozedura da couve e da broa e só essa deverá ser utilizada para qualquer acrescento, assim como à permanência da panela sempre destapada, nada deve ficar ao acaso.


Quanto à panela ou caldeira mascarrada e à sua imobilização entre botas, bem, isso é de somenos.
Por: Ricardo Hipólito

1 comentário:

JA disse...

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