A frequência dos fenómenos meteorológicos extremos e violentos como o que na última semana devastou Portugal e a sua relação com as alterações climáticas estão a dividir os especialistas.
“Faz parte da natureza do clima ser variável”, garante João Corte-Real, investigador e professor do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas da Universidade de Évora. Por isso, explica o investigador, “não podemos dizer que sem a acção humana, o clima não mudaria”. Na opinião do especialista, há um “claro exagero” na questão das alterações climáticas: “Não acredito que caminhemos para nenhuma catástrofe nem tenho a certeza de que tenhamos mais secas”.
Mas as mudanças climáticas vão acontecer, avisa: “O clima não vai ficar imóvel, com ou sem o homem. Ou vai aquecer ou vai arrefecer e o homem vai ter de adaptar-se”. Já projectar o que nos reserva o futuro é uma questão bem mais complexa. “Os modelos que existem não são fiáveis, até porque a atmosfera é bastante difícil de modelar”, defende João Corte-Real.
Também o meteorologista Costa Alves tem dúvidas em apontar o dedo às alterações climáticas para justificar estes fenómenos. “Não podemos falar de alterações climáticas ainda. Não atingimos o ponto de irreversibilidade”, explica o meteorologista. “A comunidade internacional acordou que podemos enviar 450 partes por milhão de volume de gases com efeito de estufa para a atmosfera, o que aumentará a temperatura em 2 graus. Estamos nas 390 partes por milhão”, justifica, acrescentando que o que “há é uma grande instabilidade e variabilidade”. “Estamos num período de transição”, diz.
Pedro Viterbo, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), também não arrisca em associar os fenómenos meteorológicos às alterações climáticas. “É sempre fácil atribuir a culpa do que acontece a uma coisa, mas é necessário tempo para comparar com o que aconteceu, pelo menos nos últimos 30 anos, para sabermos se há a tendência de haver depressões como esta”, considera.
O mau tempo que, desde sábado tem devastado toda a costa portuguesa, surge, explica o director do Departamento de Meteorologia e Geofísica do IPMA, na sequência de uma circulação na atmosfera devida à deslocalização de uma massa de ar frio, que normalmente está sobre o pólo Norte, para os Estados Unidos.
Secas e chuvas intensas
Leça da Palmeira, Sintra, Porto, Sagres, Matosinhos, Peniche e Carcavelos são alguns dos sítios mais atingidos pela fúria com que o mar irrompeu terra dentro, arrastando o que encontrou.
As ondas gigantes, que ultrapassaram os 15 metros na costa, resultaram em 60 desalojados e mais de uma centena de casas destruídas em Paredes. Naquela região do Norte, os prejuízos atingiram mais de 5,5 milhões de euros.
E fenómenos como este deverão repetir-se nos próximos anos, acreditam alguns especialistas. Apesar de o país manter o habitual “clima benigno”, semelhante ao da Califórnia, nos EUA, estará cada vez mais sujeito a “fenómenos extremos, sobretudo a secas mas também a episódios de chuva intensa concentrada em períodos curtos”, explicou ao SOL Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências de Lisboa e coordenador do Centro de Impactos das Alterações Climáticas: Adaptação e Modelação (CC-IAM).
“Estudámos o clima das últimas décadas na Europa e tudo aponta para que estes fenómenos extremos sejam cada vez mais frequentes”, diz o investigador, que integrou a equipa que reuniu especialistas de 24 academias europeias no estudo Eventos Meteorológicos Extremos, apresentado no final de Novembro em Bruxelas.
Neste trabalho, os investigadores concluem que, no Verão, espera-se um “aumento das secas, associado a uma diminuição da humidade” no Sul da Europa, “apesar das cheias provocadas por eventos curtos de chuvas intensas mais frequentes”.
Também o meteorologista Antímio de Azevedo acredita que o facto de “no último século termos enviado nove milhões de milhão de poluentes para a atmosfera”, enquanto que “a natureza enviou durante 20 séculos três milhões de milhão contribui para fenómenos extremos e para as alterações climáticas”. “Os fenómenos extremos estão a ser cada vez mais frequentes e isso é uma consequência do comportamento humano”, alerta.
«Sol»
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