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domingo, 26 de junho de 2011

Um Elogio Meu à Filosofia

Por: Filipe de Vasconcelos
Fernandes
Todo e qualquer empreendimento grandioso o é com sofrimento e dor intelectual.
A dor de sofrer pelo profundo é a nostalgia de se ir vendo ao espelho, aos pedaços. E o sufoco apertado de cada estilhaço de (ser) Homem é descobrir, num terno gesto do intelecto, a abstracção em que o absurdo da Humanidade jaz.
Todo e qualquer grande empreendimento o é, não em qualquer Ciência, mas pela Ciência, no seu todo e partes isoladas.
Todo e qualquer empreendimento o é existencialmente.
Noutros termos, a questão do conhecimento é uma questão existencial, porque todo o conhecimento se prende com uma existência, diria – todo o conhecimento o é para uma existência.
Essa mesma existência que escapa à intuição, que somente dela se apodera quando o Homem conhece, porque se prende ela necessariamente com uma sua existência prévia, que se (re)conhece ao existir e que se auto-conhece enquanto Humanidade consciente, sempre, necessariamente, a posteriori, enquanto auto-reflexionante prévio que caracteriza todo o entendimento.
E sem referir o quotidiano de uma História remota, que podia ser o Hoje, de Tales a Einstein, de Platão a Kant, de Aristharcus a Newton, de Aristóteles a Descartes, de Heraclito a Wittgeinstein ou Russell, todos eles, e os que faltam, se deram conta de que passo a passo, tinham colocado a mesma questão por diferentes palavras; todos eles fizeram, caso assim se queira, muitas perguntas sobre muitas coisas que não poderiam existir sem existir uma pergunta prévia para uma resposta da qual todos, e tudo o que existe, depende, enquanto sua sine qua non própria.
A Metafísica, à boa maneira Heideggeriana, pergunta “Porquê o Ente e não o Nada?”; a Moral Kantiana questiona “O que devo fazer?”, e até a ironia Kierkeggardiana afirma “E antes?”.
José Saramago, que está nas antípodas das minhas convicções e crenças intelectuais, a quase todos os níveis, mas que merece tanta ou mais consideração e louvor do que a maioria daqueles que direi com quem me compatibilizo a esse e outros níveis, disse de uma forma absolutamente destruidora: “Um dia, quando o Sol morrer, ninguém irá saber que Homero escreveu a Ilíada”.
E nisto, o Homem pergunta “O que é isto? O que é Tudo Isto?”
O simples sentimento de migalha flutuante é demasiado recente para que a História o possa talvez já julgar, ou será a própria História uma migalha no Tempo?
O que é o Tempo?
É algo de impossivelmente existente sem o que “nele” é e “continua a ser” como diria Einstein? Ou é algo desligado de um T infinitesimal, como dizia Bergson?
Mas tudo retorna: O que é Tudo Isto?
Em Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático de 1798 , assim como na Lógica de 1804, Kant reduziu a Filosofia à questão da Antropologia “O que é o Homem?”, pergunta da qual aliás deveriam depender as correspondentes Metafísica, Moral e Lógica.
Estou em crer que “O que é o Homem”? é mais do que isso, mas uma simples metáfora para “O que é tudo isto?”.
Parménides disse qualquer coisa como “O Nada é qualquer coisa sobre o qual se não pode sequer julgar a existência; porque isso é já, e por si, contrário ao Nada, enquanto expressão do que não existe, em Tudo”
Estou em crer que “O que é Tudo Isto?” é uma pergunta que, em si mesma, é já a “coisa-em-si” kantiana, da qual discordo, mas que percebo e julgo ser bastante pertinente.
“O que é Tudo isto”?, sendo mais abrangente do que “O que é o Homem?”, é um seu sinónimo ao quadrado, porque representa, assim a denomino, a falácia da instrospecção: “O que é Tudo isto?”é um grito interior sobre o sentido da existência, sobre o si-mesmo, e tão pouco sobre o si-próprio, enquanto subjectividade interior, enquanto vaidade do esclarecimento do que distingue cada um, e a isso responde, ou vai tentando responder, a Psicologia.
“O que é o Homem?” significa apenas isto: não saber o “Que é Tudo isto?”, porque o “isto” é o “Homem?”, que procura, sucessivamente, “conhecer-se ao conhecer”, e logo ele, que olha para si, dá-se consigo mesmo, pela mera funcionalidade da tomada de consciência da sua própria lentidão na concomitância, que caracteriza a impossibilidade do duplo pensamento: ser e ser conhecido, desde logo por si, impossivelmente, ao mesmo tempo.
Deus é quase sempre uma boa resposta, mas o próprio conceito de resposta é, em si mesmo, a antítese da pergunta, enquanto arquétipo dos contrários, enquanto uma espécie de meta-linguagem estratificada, enquanto possibilidade intelectual, superior, humana. “O que é uma resposta” é algo que faz tanto sentido, na infinitude de “tudo isto”, quanto aquilo que a escala de uma vida faz na temporalidade do Tempo.
O que é o Tempo?
Deus nunca podia ser humano, portanto nunca podia sentir o Bem – nem muito menos o Mal, que só existe enquanto inexistência do outro.
Deus existe.
Mas onde estava Deus quando, tempos houve, em que na Terra não houveram Homens?
Se Deus é, desde sempre, onde estava Ele na Era Mesozóica?
Porque parece um facto que, independentemente de Deus existir, pode pensar-se nessa existência.
Ou seja, Deus existe, mas há a possibilidade de viver uma vida inteira sem que ele existisse, para quem assim o faz – não creio haver paradoxo Maior na Lógica actual e Contemporânea, não o facto de se discutir a existência de Deus (onde cada um deve ser juiz dos seus argumentos, e logo aí se depara com a inacreditável fronteira lógica do que é “usar argumentos lógicos” para aferir a existência de Deus – não tenho, ainda uma opinião pessoal sobre isso), mas de se poder ter como axioma a sua não existência
Julgo que a própria Religião, como se a tem entendida, está longe de ser uma boa resposta a Deus.
Nisto, façamos o seguinte: Pulemos da Terra, vendo-a do tamanho de uma bola de futebol e comecemos a flutuar em direcção à Infinitude do Cosmos.
Imaginemos, simultaneamente, que, ao mesmo tempo, poder-se-ia ouvir “Ave Maria” de Schubert.
O que é tudo isto?
Imaginemos que já não se vê a Terra, nunca mais, e que se verão outras Terras e outros Homens. Agora imagine-se que a Humanidade desaparecia e que ninguém sabia que Homero tinha escrito a Ilíada, que Newton tinha escrito os Principia Mathematica e que Kant tinha escrito a Crítica da Razão Pura.
E se continuarmos a flutuar pelo Cosmos, sem nunca antes parar, continuando a ouvir Ave Maria de Schubert, trememos.
Todos trememos, incessantemente!
O que é tudo isto?
O que é a Alma?
O que é sentir no “outro” o rosto da Humanidade,?
O que é Tremer, e, o que é Tudo Isto?
Continuando a flutuar pelo Cosmos, percebemos que há duas infinitudes possíveis: uma, aquela em que estamos, física, do flutuar, susceptível ao tic-tac da mecânica do relógio que está no beirado da chaminé. Outro, o que se (re)inventa sem vontade, sonhando e desobedecendo ao esquecimento de Homero, que escreveu a Ilíada.
O que é Tudo Isto?
O carácter preliminar, propedêutico de qualquer Ciência, inicia-se com um quantum, um situacionismo – que se quer entreter nas palavras da questão: E o que é tudo isto?
Continuei a voar e vi quase tudo, dei a volta ao Cosmos, e supondo que ele está em infinita expansão, como a moderna Física o apresenta, julguei que pudesse eu ir ao encontro do ponto limite onde ele, aparentemente, a cada instante, “se reinventa”, se expande.
Não o achei. Mas se ele está em permanente expansão, tem que se poder expandir, e para que algo se expanda tem que partir de algo que já se expandiu e que agora é estático, infinitesimalmente, de acordo com a dinâmica do expansionismo – parece um axioma geométrico que algo se expanda a partir do que existe.
Não achei esse ponto.
E fiquei ainda com mais dúvidas sobre se o que já havia expandido e que, portanto, seria mais antigo do que aquilo que se expandira agora mesmo, numa escala temporal que não esta, e sobre se isso mesmo se continuava a expandir, não obstante ser já existente. Estará o prévio destinado a ser a posteriori, simultaneamente?
Voltei para casa.
Não fui ler a Ilíada de Homero, nem a Ideia de Relatividade de Einstein, nem as Confissões de Santo Agostinho.
Voltei para casa, no fim de ter dado a volta a “Tudo isto”, sem perceber que “Tudo Aquilo” era, contudo, uma ínfima parte do “que é Tudo isto”, cada vez numa maior e mais ínfima parte, salva a contradição.
E multipliquei “tudo isto” pelo número de homens e mulheres que já viveram e já morreram. Tremi!
E tremi ainda mais ao supor que já existiram homens e mulheres, e até mesmo Dinossauros, que sem nunca se terem visto, nunca puderam sequer, perceber o que é não saber “O que é tudo Isto”. Mas ao menos não saber, “tornando-se”.
Voltei para casa no fim de tudo isto e fui à pesca, mas estava a tremer.
O meu elogio à Filosofia diz que ela é e se dedica ao carácter geral de todas as peculiaridades de cada Ciência e que sem isso não há Ciência. E que a Filosofia não começa onde acaba – logo existe.
Esse meu elogio diz também que ela não morreu ainda, porque ainda é possível não saber “O que é tudo isto?” E não é que desapareça quando se souber mas que, ao invés, desapareça, quando ninguém puder ser ignorantemente relevante ao ponto de não saber, absolutamente, “O Que é Tudo Isto”, ainda que faça uma mínima ideia ou acerca disso tenha um ponto de vista absolutamente esmagador. E enquanto isso for possível, a Filosofia também o é, insuperavelmente.
A Filosofia está para o Homem, como Ave Maria de Schubert para mim, ao flutuar no Cosmos. E até quando fui à pesca, sentado num banco de pano, deixando o Cosmos para trás, sentado numa migalha ardente dele próprio. Ainda assim ouvia Schubert.
E da mesma forma que se a Humanidade desaparecer e ninguém nunca souber quem for Homero e que escreveu a Ilíada, ninguém vai tão pouco saber quem foi Schubert que compôs Ave Maria.
E, para pior dos males, concluí ainda, já à pesca, que “para que alguém acreditasse nisto”, que Homero tinha escrito a Ilíada e que Schubert havia composto Ave Maria, era preciso que “pudesse acreditar” no que quer que seja, e que “acreditar” não fosse uma expressão do vulto humano nas conjugações entre realidade e dedução inconsciente dos factos.
Pensei tudo isto e fui à pesca, tendo a certeza de que, ao contrário do que alguns dizem, a Filosofia não morreu – e que, sem sabermos “O que é Todo isto?”, ainda assim, tal se o tem perguntando cada vez melhor.

 Junho de 2011





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