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domingo, 26 de junho de 2011

7% da população forçada a sair do país


Catarina Simão é um dos 700 mil portugueses que decidiram, na última década, trabalhar fora do país. Escolheu Barcelona, para onde foi fazer uma pós-gradução e procurar oportunidades de emprego.
«Os seis meses iniciais da pós-gradução transformaram-se em seis anos», diz a actual gestora de produto de uma empresa farmacêutica naquela cidade espanhola. As vantagens de sair de Lisboa foram evidentes desde o princípio: como estagiária em Espanha, conseguiu um ordenado semelhante ao que auferia na empresa em Portugal depois de três anos de trabalho, a recibos verdes. Em Barcelona, ficou efectiva em menos de um ano.
O caso de Catarina é exemplar do que está a ocorrer no país nos últimos anos, com as dificuldades económicas. A quase bancarrota e o empréstimo pedido ao Fundo Monetário Internacional (FMI) aconteceram este ano, mas a estagnação económica arrasta-se há uma década, levando milhares de cidadãos a procurar trabalho noutras paragens. O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou na semana passada que, só em 2010, terão saído do país 23,7 mil portugueses, num total de 150 mil na última década.
Para fora, em força
Contudo, este número é posto em causa pelo economista Álvaro Santos Pereira, que fez um levantamento dos trabalhadores portugueses registados nos serviços de Segurança Social e de estatística dos países de destino de emigração. O trabalho foi publicado no livro Portugal na Hora da Verdade e o autor não tem dúvidas em afirmar que a emigração regressou. «E em força», garante.
Uma vez que os cálculos do INE se baseiam em inquéritos internos, o economista entende que estão desfasados da realidade. O docente da Simon Fraser University, no Canadá, estima que tenham emigrado mais de 700 mil portugueses entre 1998 e 2008 (o último ano disponível no momento da análise), o que constitui a maior vaga de saídas desde os anos 60, atingindo quase 7% da população. «Não tenho dúvidas de que os números do INE não estão correctos, como veremos em breve quando os números do Censos 2011 ficarem disponíveis», diz.
Vazio estatístico
O coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires, já admitiu, numa audição parlamentar, que existe um «vazio» nas estatísticas oficiais das pessoas que saem do país, estimando que entre 70 a 75 mil cidadãos deixem Portugal todos os anos. Esta análise vai ao encontro das contas de Álvaro Santos Pereira. Embora muitos emigrantes optem por voltar ao fim de algum tempo, o economista sublinha que «a grande maioria permanece emigrada», pelo que os 700 mil emigrantes são a aproximação mais sustentada.
No livro que publicou, Álvaro Santos Pereira explica que a nova vaga de emigração tem estado centrada em países tradicionais, como Suíça, Luxemburgo ou França. Reino Unido e Espanha também têm sido destinos importantes para os portugueses, mas, no caso dos espanhóis, as dificuldades económicas recentes estão fazer com que a população portuguesa diminua.
Regresso às ex-colónias
Além destes países, o economista destaca no livro que «um dos mais notáveis desenvolvimentos da emigração recente tem sido o retorno das ex-colónias como países recebedores de mão-de-obra portuguesa». A emigração é visível sobretudo em Angola, onde já deverão estar mais de 100 mil trabalhadores portugueses.
Fuga de cérebros
Ao contrário da vaga de emigração dos anos 60, o fenómeno actual não atinge apenas os trabalhadores menos qualificados. Embora os que têm menos habilitações académicas continuem a procurar oportunidades fora do país, desta vez são acompanhados por cidadãos que foram mais longe nos estudos. «Somos os segundo país da OCDE onde o fenómeno da fuga de cérebros é mais pronunciado», constata o docente, ele próprio um emigrante no Canadá.
De facto, as estimativas da OCDE indicam que cerca de 20% dos portugueses com curso universitário vivem fora do país, um resultado apenas superado pela Irlanda. A fuga de ‘cérebros’ em Portugal é mais intensa do que na Grécia, na generalidade dos países da Europa de Leste, América Latina, Ásia, Brasil ou México. «Pior do que nós, só a África», sintetiza o economista, classificando esta situação como «preocupante», uma vez que o país apresenta «grandes carências de pessoal especializado nalgumas áreas fundamentais».
A emigração anda de braço dado com o desempenho económico, sendo patente uma «forte» correlação negativa: quando a economia nacional cresce menos, as saídas do país aumentam, e vice-versa. Álvaro Santos Pereira reconhece que o estancar das saídas de trabalhadores vai depender da evolução da economia. «Se a economia crescer, vão-se criar mais oportunidades de emprego, diminuindo o incentivo para as pessoas emigrarem. Se a economia permanecer estagnada ou em crise, o fenómeno da emigração continuará a fazer-se sentir».
Vontade de partir
Para já, os sinais não são de inversão da tendência. As várias projecções de desempenho económico do país antecipam uma recessão prolongada no país. E o último Eurobarómetro, apresentado este mês, mostrou que mais de metade dos jovens portugueses quer trabalhar fora do país.
Assim, não é de perspectivar que a emigração abrande, nos próximos tempos. O país vive a terceira maior vaga de saídas de trabalhadores dos últimos 150 anos. A primeira ocorreu entre as décadas finais da monarquia e o início da primeira Guerra Mundial. A segunda ocorreu nos anos 60 e princípios de 70, quando mais de 100 mil portugueses saíram para África, Europa e América do Norte
«SOL»


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