Detenção de José Sócrates, sem precedentes na história da democracia (nunca um ex-primeiro-ministro havia sido detido), começou numa comunicação bancária a propósito da casa de luxo de Paris. À direita, as reações são cautelosas; à esquerda, critica-se a atuação da Justiça. Louçã: "Em Portugal há sempre um processo um pouco estranho, que é deter para interrogar".
Metade do
país já estaria a dormir quando, na madrugada de sábado, foi divulgada a
notícia sem precedentes que faz história na justiça e pode mudar decisivamente
o cenário político para 2015, ano de eleições: o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi detido para
interrogatório à chegada ao aeroporto de Lisboa , no âmbito de
uma investigação de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.
Passava um
minuto da meia-noite quando a edição online do "Sol" deu a notícia.
Pouco depois, a SIC divulgava imagens do
momento em que José Sócrates, que tinha aterrado cerca das 22h00 vindo de
Paris, é levado num carro descaracterizado, logo após a detenção. É a primeira
vez na história da democracia portuguesa que um ex-chefe de Governo é preso
para interrogatório.
O antigo
primeiro-ministro passou a noite nos calabouços
da PSP , no Comando Metropolitano de Lisboa, onde costumam
ficar as pessoas que a polícia detém durante a noite, nomeadamente por
desacatos.
No centro da
investigação está o apartamento de luxo, avaliado em três milhões de euros,
que Sócrates arrendou em Paris, no
coração de um dos bairros mais caros da cidade , quando foi
tirar um curso na capital francesa, após perder as eleições em 2011. Segundo a
Procuradoria-Geral da República (PGR), o inquérito, que está a ser conduzido
pelo procurador Rosário Teixeira, " teve origem numa comunicação
bancária efetuada ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal ,
em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de
capitais" e investiga "transferências e movimentos de dinheiro sem
justificação conhecida e legalmente admissível".
A PGR
garante que a investigação, que mobiliza quatro magistrados do Ministério
Público e 60 elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira, é
"independente de outros inquéritos em curso, como o Monte Branco ou o
Furacão, não tendo origem em nenhum desses processos". Além de Sócrates foram detidos
para interrogatório o seu motorista atual, João Perna, o empresário Carlos
Santos Silva, ex-administrador do Grupo Lena e amigo de longa data do
ex-primeiro-ministro, e o advogado Gonçalo Trindade Ferreira .
Num primeiro comunicado ,
divulgado na madrugada deste sábado, a PGR tinha confirmado a detenção de
Sócrates e referido que outras três pessoas tinham também sido detidas, mas sem
nomear quais. Chegou a ser avançado que pertenceriam ao Grupo Lena - uma das
empresas que beneficiaram da diplomacia económica durante o Governo de
Sócrates, tendo ganho contratos de construção para a Venezuela -, cuja sede foi
alvo de buscas na sexta-feira. A empresa negou, no entanto, que tivessem sido
detidos quaisquer seus responsáveis ou colaboradores.
Carlos
Santos Silva, um dos quatro detidos, já pertenceu à administração do Grupo. O
empresário ligado ao sector da construção é amigo de Sócrates há vários
anos. Não é a primeira vez que os
dois nomes se cruzam numa investigação judicial . Cova da Beira
e Face Oculta foram outros dois processos mediáticos a que se viram associados.
Em nenhum dos casos, no entanto, foram constituídos arguidos.
Este sábado
de tarde, Sócrates acompanhou as buscas
realizadas à casa que tem na rua Braancamp , em Lisboa, e a um
outro apartamento, no mesmo edifício, que pertenceu à sua mãe. Depois das
buscas, o ex-primeiro-ministro foi levado para o Campus da Justiça, no Parque
das Nações, para ser interrogado pelo juiz Carlos Alexandre ,
o mesmo que no verão mandou deter o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, e
que na semana passada ordenou a detenção do diretor do Serviço de Estrangeiros
e Fronteiras, Jarmela Palos, e outros altos dirigentes da administração
pública. No final deste sábado soube-se que o antigo chefe de Governo continua detido - pela segunda
noite consecutiva .
Sócrates
entrou na garagem do Campus da Justiça pelas 17h, debaixo de uma chuva de gritos
de uma dezena de manifestantes do PNR (Partido Nacional
Renovador), que aproveitaram a ocasião para insultar o ex-primeiro-ministro.
Reações
cautelosas
A detenção, que pode ser um "terramoto político" para o PS , a menos de um ano das eleições legislativas, caiu como uma bomba e motivou reações muito cautelosas dos partidos, que recusaram comentar o caso. António Costa, candidato socialista a primeiro-ministro, enviou este sábado um sms aos militantes , frisando que "os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais [por Sócrates] não devem confundir a ação política do PS". O partido, sublinha, não deverá envolver-se "na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência".
A detenção, que pode ser um "terramoto político" para o PS , a menos de um ano das eleições legislativas, caiu como uma bomba e motivou reações muito cautelosas dos partidos, que recusaram comentar o caso. António Costa, candidato socialista a primeiro-ministro, enviou este sábado um sms aos militantes , frisando que "os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais [por Sócrates] não devem confundir a ação política do PS". O partido, sublinha, não deverá envolver-se "na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência".
Horas mais
tarde, ao fim do dia, António Costa voltou a referir-se ao caso. Depois de ter
sido eleito secretário-geral do PS, deu uma conferência de imprensa onde foi
questionado várias vezes sobre a detenção do ex-primeiro-ministro. Perante a
questão "continua a defender a herança política de José Sócrates? Sai
fragilizado?", respondeu que " o PS não adota as más práticas
estalinistas de eliminação da fotografia deste ou daquele ".
O vice-presidente do PSD, Marco
António Costa , afirmou igualmente que o partido não irá fazer
"qualquer comentário político" acerca da detenção de Sócrates por se
tratar de um "tema de justiça". Idêntica reação teve o líder
parlamentar do CDS, Nuno Magalhães : "Consideramos que à
justiça compete o trabalho da justiça e à política compete o trabalho da
política. Por isso mesmo, não fizemos, não fazemos e não faremos comentários
sobre investigações em curso no sistema judicial".
À esquerda,
as reações não foram muito diferentes. O secretário-geral do PCP, Jerónimo de
Sousa, pediu "o apuramento de toda a verdade" sem julgamentos ou
condenações apressados. Também o ex-coordenador bloquista Francisco Louçã
recusou fazer "juízos precipitados". Louçã disse, ainda assim, que a
Justiça tem de assumir
responsabilidade por este tipo de ações, que considera excessivas ,
defendendo que, para ser interrogada, não deve ser necessário deter uma pessoa,
a não ser em circunstâncias muito excecionais.
Num artigo
de opinião publicado no Expresso, que se tornou viral nas redes
sociais, Clara Ferreira Alves também não
poupa críticas à Justiça . A colunista diz que foi praticado um
"linchamento público" do ex-primeiro-ministro, detido numa
"operação de coboiada cinemática", quando não havia suspeita de fuga,
até porque Sócrates acabava de aterrar em Portugal, vindo de Paris.
"Porque não convocá-lo durante o dia para interrogatório ou levá-lo de
casa para detenção?", questiona.
Nunca um ex-primeiro-ministro tinha sido
detido para interrogatório, mas esse foi apenas o culminar de um ano marcado
por várias outras "estreias" em processos judiciais. As condenações
dos ex-ministros Maria de Lurdes Rodrigues e Armando Vara, a detenção de
Ricardo Salgado, um dos principais banqueiros do país, e a prisão domiciliária
do diretor de uma polícia também não tinham precedentes.
[artigo atualizado às 00h19 de 23-11-2014]
«Expresso»
2 comentários:
Sem fazer qualquer juízo de valor em relação à mediática e aparatosa detenção de José Sócrates para interrogatório, é preciso salientar INTERROGATÓRIO, ficamos com a sensação de que há aqui manobras em alguns bastidores políticos que não favorecem em nada a imagem de Portugal lá fora e, especialmente, a imagem dos políticos em geral.
Talvez o momento de crise, em que vivemos, o desmoronar de alguns poderosos e a falta de oportunidades para outros, tenha precipitado toda esta briga e confusão que faz lembrar as brigas entre famílias ligadas ao "submundo" organizado.
Vamos estar atentos para ver o que vai acontecer nos próximos capítulos.
As televisões falam de anomalias de Portugal. Coreia, Cuba comunismo, muito bem !...E nos Estados Unidos da America não falam as verdades porquê?
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