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domingo, 16 de novembro de 2014

Mulheres Avieiras, Porta-vozes da Memória de um Povo

                                                                  Por: Lurdes Véstia


Na continuação da Crónica anterior, dedicada a Manuel do Vau, vamos agora debruçar-nos sobre um estudo realizado com duas mulheres Avieiras homenageadas como Porta-voz da Memória Avieira em 2013.
O objectivo deste estudo foi identificar os significados que orientaram a identificação de mulheres Avieiras enquanto grupo de Porta-voz da memória do seu povo. Para tal realizámos entrevistas individuais a duas mulheres, idosas, de diferentes comunidades.
Gravámos as entrevistas e trabalhámos os dados recolhidos, integralmente transcritos, que foram submetidos a várias leituras e a uma análise temática dialógica, que resultou na construção de significados das histórias de vida de cada uma, e finalmente cerzimos as duas histórias.
Os resultados apurados indicaram que: As narrativas estavam fortemente ligadas a histórias da família e da comunidade, assim como a diferentes noções de tempo e espaço; Estas mulheres transformam-se em Porta-vozes a partir do momento em que são reconhecidas enquanto repositórios e transmissoras de saberes, fazeres e saberes-fazer da comunidade Avieira.
Podemos dizer que as identificações como Porta-voz da Memória Avieira foram construídas pelos dinamismos que estas mulheres desenvolveram nas suas famílias e nas suas comunidades.
Este estudo contempla a preservação do património imaterial das comunidades piscatórias Avieiras contido na história de vida de duas pescadoras, Isabel, por alcunha “Isabel do Touco” que lhe foi atribuída após o casamento e pelo facto de ter ido viver para a aldeia Avieira do Touco, no concelho de Alpiarça, e Elizabete, conhecida como “Elizabete da Bica”, natural da Barreira da Bica, freguesia de Vale de Figueira, concelho de Santarém, onde sempre viveu. Estes dois nomes foram ficcionados para salvaguarda da identidade de cada uma das protagonistas.
Este estudo pretende identificar os significados que orientaram a identificação destas mulheres Avieiras enquanto grupo de Porta-vozes da memória do seu povo.
O repto que se coloca agora é o de descobrir e dar corpo a um percurso de vida em que sujeito e realidade se ligam por meio de relações variadas, entender a maneira como se organizaram estas relações, a habilidade e capacidade construtiva destas pescadoras Avieiras para contornar as interdependências (familiares, comunitárias e até discriminatórias) a que estavam sujeitas, investigar as transformações pelas quais passaram ao longo do percurso das suas vidas, a forma como se apropriaram das vivências, as emoções, os afectos, sentimentos e outras dimensões relacionais. 
De alguma maneira, uma história de vida é sempre individual e única, sendo contada a partir da perspectiva e à luz da vivência do indivíduo que se encontra a narrar a sua história. Ela está, portanto, sempre impregnada da subjectividade inerente ao narrador. Neste sentido, uma história de vida não se constitui como um relato objectivo e exaustivo dos factos ocorridos na vida do narrador, nem extrínsecos a ele. A narração não é nunca uma descrição desapaixonada, pelo contrário, é dotada de uma sentimentalidade particular, justamente porque é através dela que o protagonista se reconta e se reafirma como indivíduo diferente dos outros, apresentando testemunhos mediados pela passagem do tempo.
O objectivo geral do estudo das histórias de vida destas mulheres Avieiras, a que apelidámos de "Mulheres Avieiras - Porta-vozes da Memória de um Povo", foi identificar os significados que orientaram a sua identificação enquanto grupo de informadoras privilegiadas da memória do seu povo, por meio da oralidade. O processo de construção desta identidade, partindo do pressuposto de que a memória é um processo activo de construção de lembranças sobre si e sobre os outros, é o de preservar as aptidões e técnicas necessárias às manifestações Avieiras, no feminino, consideradas de valor histórico e cultural.
Muitos sectores da população consideram que o património cultural imaterial é uma fonte essencial de identidade, profundamente ligada ao passado. Infelizmente, um certo número das suas manifestações, como o traje, a música, a dança, os festejos, certas tradições orais e línguas de âmbito regional desapareceram ou estão em vias de extinção.
Os objectivos específicos foram traçados pela natureza imaterial do património Avieiro que incrementa a sua vulnerabilidade, tornando-se urgente: Evitar novas perdas; Salvaguardar o património imaterial Avieiro mediante gravações, registos e arquivos; E garantir que aos portadores deste património seja reconhecido o seu saber, fazer e saber-fazer e a sua transmissão para as gerações seguintes como meio eficaz de preservar o património imaterial avieiro.
Na próxima Crónica contaremos a história de Isabel do Touco.

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