Como o dinheiro que é do estado é do PS, Costa não teve
problemas de consciência em estar quatro meses a receber ordenado de presidente
da CML enquanto tratava o tempo todo da campanha interna do PS
O cidadão ingénuo poderá pensar
que a democracia representativa tem como fim a promoção do bem comum. E que os
partidos políticos existem para dar voz às diferentes visões do mundo dos
indivíduos; para que, pelo confronto ou pelo compromisso, as opiniões do maior
número de pessoas sobre o que é uma sociedade justa fiquem contidas nas leis.
Pois bem, se vive com esta ilusão, caro cidadão ingénuo, é tempo de encarar a
realidade: a democracia representativa, pelo menos a portuguesa, não serve para
nada disso. Por cá, serve para assegurar os interesses do PS.
Não, não me refiro àquelas realidades insidiosas que ocorrem – e
ocorrem tanto mais quanto maior volume de dinheiros as administrações centrais
e locais movimentarem – de promiscuidades entre empresários (se calhar deveria
dizer ‘alegados empresários’) e políticos. Também não me refiro a alucinações
como a cientificamente comprovada da Juventude Socialista nas eleições
europeias de 2009, quando reclamava em outdoors o ‘direito ao TGV’. (Outdoors
de resto perigosos. Eu ia tendo um acidente para os lados do campus da
Universidade Católica ao ter a minha visão turvada pela leitura de tal
delírio.)
Refiro-me a Elisa Ferreira quando, nas eleições do parágrafo
anterior e com admirável candura, admitiu que obras nos bairros sociais do
Porto haviam sido feitas com ‘dinheiro que é do estado, é do PS’ (JN 9/5/2009).
E como o dinheiro que é do estado é do PS, António Costa não
teve problemas de consciência em estar quatro meses a receber ordenado de
presidente da Câmara Municipal de Lisboa enquanto se dedicava a tempo inteiro à
campanha interna do PS. E como o dinheiro que é dos contribuintes lisboetas
também é do PS, Costa não tem pudor em dar anualmente dezenas de milhar de
euros à Fundação Mário Soares (cujo contributo para a sociedade é irrelevante)
para contentar o senhor que está no nome da fundação, que é, no regresso do
favor, um dos seus apoiantes mais entusiastas. Ou que inunde Lisboa de cartazes
a felicitar outro seu apoiante (Carlos do Carmo) por este ter recebido um
prémio. (E a comunicação social embevecida perante um político que quer ser
primeiro ministro mas dá este uso questionável ao dinheiro dos contribuintes.)
Refiro-me também à incapacidade do PS e de algumas pessoas da
área do PS de lidarem com aquilo que as democracias maduras têm por soberano: a
vontade dos eleitores. Reparem na gritaria da esquerda nestes últimos anos a
pedir eleições antecipadas. Não nos detenhamos no argumento (verdadeiro) de que
o governo implementou políticas contrárias às que havia prometido em campanha
eleitoral; tal argumento, quando vem de quem apoiou um governo que foi eleito
brandindo o cheque bebé e o TGV e acabou a pedir um resgate do FMI, é (sendo
caridosa) ridículo.
Em boa verdade, Mário Soares e cheerleaders não
concebem que a sua vontade – a vontade da gloriosa esquerda – não valha mais do
que os votos e que o processo democrático, que ditou a atual maioria e dita
eleições de quatro em quatro anos. E abstenho-me, por questões de saúde do
aparelho digestivo, de regressar às manigâncias de Sampaio que entregaram o
país a Sócrates.
O mesmo se passou com Cavaco Silva na presidência. Horror: a
presidência tomada por alguém eleito pela direita. Este despautério não
era suposto ocorrer, os pais da democracia não supuseram que os portugueses
amolecessem a ponto de votar em direitistas que ‘não têm mundo’ e comem
bolo-rei de forma pouco elegante e são tratados de modo displicente por ‘ele’
por Mário Soares. Ora para minorar esse defeito da democracia portuguesa que permite
presidentes eleitos pela direita, o que fazer? Muitos se apressaram a
considerar que devia terminar o semipresidencialismo e tornarmo-nos um regime
puramente parlamentar. A lógica: se a direita lá consegue chegar, esvazia-se a
função.
E não tenhamos ilusões. O sacrossanto tribunal constitucional,
que nos dias em que veta as únicas reformas decentes que o governo quer
implementar é proclamado guardião da bondade e justiça universais, sofrerá o
mesmo ataque acaso tenha uma maioria de juízes de direita.
De resto a Constituição, tal como a democracia, também é para
servir o PS. Quando atrapalha as políticas do governo, é um documento limpo e
claro e que não permite interpretações conciliadoras. Quando determina eleições
legislativas em outubro de 2015 e esse calendário não é conveniente ao PS, bom,
quem disse que o que está na CRP é para respeitar?
António Costa já percebeu que o seu potencial para seduzir
eleitores piora aumentando o tempo que tivermos para o avaliar. Mude-se a data
das eleições legislativas, então. Era o que faltava haver valores democráticos
maiores do que as conveniências eleitorais do PS.
«O Observador»
1 comentário:
Quanto aos “comentários” para com esta noticia que seja tomado em atenção os “DIREITOS DOS LEITORES E COMENTARISTAS” (ler na coluna do lado direito).
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