Por: Anabela Melão |
A «moção política» de António Costa, intitulada «As Grandes Opções de Governo», surge como um texto bem escrito, o que já é algo de novo no PS. O "Economista Português" fez já uma análise interessante e critica. Aqui deixo um apontamento do que me parece mais relevante. No relativo à União Europeia, o texto propõe «afirmar uma nova atitude» que «defina uma estratégia de defesa dos interesses nacionais», mas mantém o apoio ao Euro e ao Tratado Orçamental. O texto propõe uma Agenda para a Década, «centrada nas condições estruturais de desenvolvimento, mobilizadora do compromisso político, da concertação social estratégica e do conjunto da sociedade, assente em quatro pilares fundamentais: a valorização dos nossos recursos; a modernização do tecido empresarial e da administração pública; o investimento na cultura, ciência e educação; o reforço da coesão social». Começo a sentir algum incómodo pela sensação de dejá vu. Mais coisa menos coisa é exatamente isto que consta dos demais programas partidários, salientando a confusão entre os fins e os meios e entre a vontade e a existência de condições para a concretizar. O texto propõe «um pacto de responsabilidade empresarial» - «um fator decisivo na modernização do tecido empresarial». Fica bem falar em «modernização», «tecido empresarial», mas nada se propõe de concreto, limita-se a repescar a ideia novecentista dos três stakeholders das empresas (acionistas, trabalhadores, público), para além de escassear em referências específicas e apostar em enunciados retóricos "não dá números o que está para a prosa económico-financeira como um pudim abade de Priscos sem açúcar para a culinária portuguesa."
Onde o texto merece atenção é na proposta de uma nova atitude face à UE. «Portugal necessita de reconstruir um largo compromisso nacional de apoio à nossa participação no projeto europeu». «reconstruir». Fica bem, mais uma vez, dizer que «a forte apreciação do euro» foi uma das causas da nossa divergência real face ao resto da UE (o nosso poder de compra individual nada tem a ver com a média da UE). O texto afirma que o equilíbrio das nossas contas públicas será atingido «no médio prazo, numa situação duradoura de estabilidade económica». "São palavras boas e santas. Mas só se tornarão realidade por um lado, com a autorização de Bruxelas, e, por outro, com a permissão dos nossos credores, que são quem manda na Europa." Há aqui um pressuposto de caridade keynesiana, já que quem tem defice orçamental em contraciclo tem que se submeter à austeridade. Foi o nosso caso. "Os sociais-democratas alemães apoiarão o diferimento do pagamento da nossa dívida pública? Facilitarão a reciclagem da nossa dívida privada? E o presidente Hollande?" O texto afirma: «Esta abordagem [de defesa do nosso interesse nacional] é coerente e convergente com o posicionamento de Portugal no debate de fundo que se irá travar nos próximos anos na Europa, que é o do desenvolvimento dos países da periferia no seio da moeda única» e propõe-se corrigir o «processo de divergência» dos rendimentos entre os ricos e os pobres da UE. A ideia é generosa, mas volta à época dos fundos estruturais, do federalismo à Jacques Delors, perfeitamente ultrapassada, com a explicação dos nossos credores: "deram-nos os fundos estruturais para nos desenvolvermos, nós aceitámo-los nessas condições, se os malbaratámos, paciência." Porque haveria de admitir-se novo debate sobre matéria mais que dada e confirmada? "Por tudo isso, o texto é simpático mas um tudo nada retro. Os tempos estão para o federalismo assimétrico, à Merkel, beneficiando os credores, e não para o federalismo democrático, à americana ou à moda dos europeia dos anos 1980." E ficamos sem entender o que é e quem suportará essa nova atitude europeia. "Quais os seus aliados internacionais? Quando observamos a ação dos partidos socialistas no poder nos Estados-membros da UE, vemos que eles desejam atenuar as regras da deflação imposta pela Srª Merkel, mas não estão preparados para repensarem as regras do federalismo assimétrico que nos prejudica, como prejudica a periferia atlântica e mediterrânica da UE. Porque ajudariam eles um eventual governo do PS que procurasse concretizar aquele programa?Seriam melhores para nós do que são para eles próprios?" ««As Grandes Opções de Governo» é um texto inteligente, com passagens refrescantes – ao lê-lo, parece por vezes que Portugal ainda não é um país proibido – , que sai prejudicado na sua verosimilhança estratégica por jogar com as cartas demasiado junto ao peito, nem credibilizando os seus objetivos, nem delineando em filigrana um Plano B. E sobretudo por acreditar que «a Europa» nos ajudará só pelo pedirmos.» Ora, António Costa é um homem perspicaz e inteligente, astuto e pragmático. Não se põe a hipótese de este ser um erro de palmatória. Já estou mais inclinada a ler isto como um mero planfleto eleitoral. Diz tudo não dizendo nada. Mais, não sustentando nada. Volto a dizer, a linguagem tem de ser alterada. Já ninguém se contenta com demagogias e fantasias. Alterem a pauta antes que comecem com os folclores.
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