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Por: Antonieta Dias (*) |
Apesar da melhoria e progressos
nos processos de treino, nos equipamentos e nas técnicas cirúrgicas, e
independentemente do nível de capacidades ou experiências, ninguém que
participe em competições ou em programas de actividade física está imune ao
risco de lesões (Gould e Udry, 1994).
A área de investigação que mais
tem contribuído para o estudo dos factores psicossociais de risco nas lesões
desportivas é, sem dúvida, o estudo do stress
associado aos acontecimentos da vida dos atletas e a sua relação com a
ocorrência de lesões (Heil, 1993; Pargman, 1993; Williams e Roepke, 1993).
A interacção entre os componentes
cognitiva e fisiológica da resposta ao stress,
sobretudo em situações desportivas geradoras de elevados níveis de stress, influencia em maior ou menor
grau a probabilidade de ocorrência de lesões. No que se refere à avaliação
cognitiva das lesões desportivas geradoras de stress (ex: competição, treino, titularidade, etc.), tal avaliação
pode, por vezes, originar ou produzir respostas emocionais inadequadas ou
desajustadas que, por sua vez, podem predispor um atleta para um maior risco de
lesões. Tal deve-se, em grande parte às mudanças fisiológicas e atencionais que
acompanham as avaliações cognitivas de carácter negativo.
A presença de reacções emocionais
negativas ou desadaptativas interfere assim no bem estar psicológico dos
atletas lesionados, mas também pode interferir na reabilitação da lesão e nos
níveis de aderência, adesão e motivação adequadas às tarefas e actividades de
reabilitação. Por isso Buceta (no prelo) refere a importância de prestar
atenção à natureza stressante das
lesões desportivas e salienta a necessidade de considerar os vários aspectos e
momentos do stress pós-lesão: o stress da hospitalização e das
intervenções cirúrgicas, o stress na
reabilitação das lesões, o stress no
regresso à actividade desportiva habitual, o stress dos atletas lesionados, que
têm de competir nesse estado e o stress
dos atletas lesionados que são obrigados a abandonar a prática desportiva. Não
se pode assim dizer que é apenas a presença de stress que contribui para aumentar a vulnerabilidade às lesões
desportivas. Estas, por sua vez, podem também aumentar a vulnerabilidade à
experiência do stress.
As lesões constituem um dos
obstáculos mais significativos ao rendimento bem sucedido em contextos
desportivos. Sendo virtualmente uma preocupação diária no desporto, os efeitos
das lesões no bem estar psicológico dos atletas e no rendimento posterior são
bem evidentes. Paralelamente, a capacidade de resistir às lesões e de recuperar
rapidamente quando se está lesionado é um factor importante e decisivo na
longevidade desportiva e no sucesso dos atletas (Heil, 1993).
Em face do elevado tempo, energia
e esforço dispendidos pelos atletas para a obtenção de níveis máximos de
rendimento, uma lesão pode constituir muitas vezes um acontecimento traumático
da vida, com consequências físicas e psicológicas imprevisíveis.
Recentemente, vários estudos têm
documentado a importância atribuída por treinadores e atletas aos aspectos e
factores psicológicos na reabilitação e recuperação das lesões (v.g., Levleva e
Orlick, 1991; Wiese e Weiss, 1987).
Posteriormente, Booth (1987)
estimou em cerca de 17 milhões o número de lesões desportivas que ocorriam
anualmente entre os atletas americanos.
Simultaneamente, um estudo de
Mueller e Blyth (1987), considerando apenas a modalidade de football no ensino secundário dos EUA,
apontava para 10 mortes, entre um milhão de lesões por ano. Do mesmo modo,
Zemper (1989) referia que quase um em cada dois atletas universitários de football americano sofria de uma lesão
grave que o impedia de participar na competição.
Paralelamente, Booth (1989)
apresentava dados que indicam que, em cada ano, um terço dos cerca de 15
milhões de joggers dos EUA
apresentavam lesões músculo-esqueléticas.
Por sua vez, Hardy e Crace (1990)
referem que, anualmente, e só nos desportos amadores dos EUA, quase metade de
todos os participantes em actividades e práticas desportivas sofre uma lesão
que os impede de participar ou competir (um quarto destas lesões exige pelo
menos uma semana de inactividade total). Talvez por isso, Boice e Sabolewski
(1989) consideravam que a incidência de lesões era tão séria nas crianças,
adolescentes e adultos, que as lesões substituíram as doenças infecciosas como
principal causa de morte ou deficiência.
Heil (1993) salienta que, para
além das lesões físicas, os atletas “arriscam-se” a outras “lesões” médicas e
psicológicas, em consequência da sua participação na prática desportiva. O
síndrome da sobrecarga de treino, as desordens da alimentação e o abuso de
drogas exemplificam bem tais consequências: “elas têm um impacto directo na
saúde e no rendimento e, por sua vez, aumentam o risco de lesão física” (p.5).
Estas lesões têm os seus custos financeiros e pessoais e limitam o potencial
sucesso desportivo.
No entanto, e apesar dos avanços
tecnológicos na segurança dos equipamentos e na melhoria da metodologia do
treino, as lesões continuam a aumentar em todos os desportos (Hanson, McCullagh
e Tonymon, 1992).
A gravidade das lesões
desportivas tem levado, na última década, muitos investigadores no domínio da
Medicina e da Psicologia Desportiva a abordarem este problema.
De entre a literatura existente,
salienta-se um crescente número de estudos e trabalhos sobre os aspectos e
factores psicológicos associados às lesões desportivas e sua reabilitação e
recuperação (ver Heil, 1993: Pargman, 1993; Williams e Roepke, 1993). Embora
sem dúvida alguma, alguns factores de natureza física e diversos factores de
ordem psicológica parecem contribuir também para uma maior predisposição e/ou
vulnerabilidade às lesões, muito temos ainda que investigar, para aprofundar e
fundamentar os conhecimentos.
Em suma, no trabalho de
recuperação da lesão, é fundamental a avaliação de determinadas variáveis
extremamente importantes no processo. Para além da avaliação da lesão, do seu
impacto emocional e da dor associada, no período pós-lesão é importante avaliar
também variáveis como a adaptação e aderência ao programa de reabilitação,
progresso terapêutico, certas variáveis desportivas e a tendência do atleta
para o evitamento ou “fuga”.
É dever do médico especialista em
medicina desportiva, empenhar-se no programa de reabilitação e
no
acompanhamento do atleta lesionado, de forma a minimizar ou impedir que uma
lesão se torne num insucesso da sua carreira desportiva.
(*) Doutorada em Medicina