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sexta-feira, 20 de março de 2009

Memórias da dura vida do campo revividas em Alpiarça


São mulheres que quase não tiveram tempo para serem meninas. A vida dura do campo arrancou-as precocemente dos bancos da escola. No sábado recordaram histórias em que hoje custa a acreditar.


O concelho de Alpiarça decidiu homenagear a mulher camponesa com um espectáculo de animação e confraternização de dezenas de camponesas que partilharam recordações dos tempos de lavoura. A iniciativa, que decorreu no pavilhão do Clube Desportivo “Os Águias” na noite de sábado, 14 de Março, foi conduzida pela presidente da câmara, Vanda Nunes (PS).
Algumas das homenageadas ainda trabalham no campo. Como Maria Celestina. Aos 66 anos ainda faz algumas horas no campo para juntar um dinheiro extra à sua magra reforma. Mas garante que agora custa mais a trabalhar do que antigamente. “Agora dói as costas, as pernas e antigamente não doía. Fazíamos tudo com maior ligeireza. Agora queremos é que o dia passe rapidamente para nos deitarmos”, conta.
Maria Celestina começou a trabalhar no campo aos nove anos. Ainda fez o exame da primeira classe mas como a mãe não tinha dinheiro para pôr os três filhos a estudar, não teve outro remédio senão ir trabalhar. Começou na apanha da azeitona. Tem marcada nas mãos e no rosto a dureza da vida na lavoura onde trabalhavam desde o nascer ao pôr-do-sol.
Maria Emília Nunes recorda que era habitual levantar-se às quatro da madrugada para ir trabalhar com a mãe e as colegas. O caminho entre a sua casa em Alpiarça e os terrenos onde trabalhavam em Vale Cavalos era feito a pé. Emília Nunes começou a trabalhar com 11 anos na monda do arroz, em Azambuja, onde o seu pai possuía uma seara de melão. “Tínhamos que andar dentro de água, numa altura em que ainda fazia muito frio. Era muito duro”, conta.
Mas a camponesa também guarda boas recordações dos tempos em que foi obrigada a trocar os bancos da escola pela lavoura. “Ao final do dia, enquanto as nossas mães vinham muito cansadas, nós vínhamos descalças a correr e a cantar. Havia uma enorme amizade entre nós e um grande respeito pelos nossos patrões”, recorda.
O caso de Rosa Mira, 70 anos, é semelhante. Aos nove anos foi obrigada a largar a escola para ajudar no sustento da casa. Só deixou o campo aos 24 anos quando decidiu casar. Rosa Mira salienta que no tempo em trabalhava na lavoura não havia os equipamentos que existem hoje. O trabalho era todo feito manualmente. “Éramos nós que escavávamos a terra, que tapávamos buracos e hoje, felizmente, já existem máquinas que fazem o trabalho mais duro”, afirma.
As mulheres camponesas recordam como há meio século as mulheres trabalhavam tanto ou mais do que os homens mas ganhavam menos.
Pelo simples facto de serem mulheres. “Durante a vindima os homens ganhavam 25 escudos por semana e as mulheres ganhavam metade. Depois da vindima os homens passavam a ganhar 20 escudos e as mulheres 10”, explica.
A homenagem à Mulher Camponesa contou ainda com a presença da actriz Filomena Gonçalves que se destacou em vários papéis em séries televisivas como “A Ferreirinha”. A actriz fez-se acompanhar do marido, o presidente da Câmara Municipal de Santarém, Francisco Moita Flores. Filomena Gonçalves mostrou-se sensibilizada com a demonstração de carinho que recebeu à chegada ao pavilhão dos Águias e recordou que também a sua família trabalhou no campo. Estava prevista a presença da antiga primeira-dama de Portugal, Maria Barroso, mas compromissos familiares impediram-na de estar presente nesta iniciativa organizada pela autarquia. O espectáculo foi abrilhantado com a actuação do grupo de cantares populares “As Camponesas” de Riachos e o grupo de teatro “Meia Laranja”.
«O Mirante»

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