Por: Ricardo Hipólito |
Estava-se em Fevereiro de 2010. Na Assembleia Municipal de Alpiarça a CDU propunha que fossem homenageados no 25 de Abril desse ano, pelos seus papéis na luta pela Liberdade e Democracia, os seguintes cidadãos alpiarcenses: Carlos Pinhão, António Abalada, Álvaro Brasileiro, Francisco Presúncia (mais conhecido por Chico Galiza), Maria Albertina Sabino, Manuel Colhe e António Calarrão.
Posta a proposta à votação, TODA a bancada do Partido Socialista se absteve. Lá estava Paulo Sardinheiro. Qualquer um desses membros da Assembleia não conseguiu ver valores relevantes na vida política daqueles antifascistas, independentemente de profundas diferenças ideológicas que tinham (tenham) para com eles ou do valor que cada um possa ter tido (na sua perspectiva).
Todos os eleitos socialistas se exprimiram do mesmo modo. Aí não houve nenhuma carneirada.
Aqueles antifascistas puseram em risco a sua liberdade e vida em prol da Liberdade dos outros. Todos pagaram com a prisão, tortura e, durante muitos anos, a apresentação periódica às autoridades, o impedimento de se ausentarem do concelho sem comunicarem à polícia e à retirada de direitos políticos, à excepção de dois: Maria Albertina e Chico Galiza.
Maria Albertina, porque morreu tragicamente na clandestinidade. Não foi morta directamente pelos agentes do regime de então mas, seria muito provável que, se estivesse no seio da sua família, fazendo a vida como a maioria das famílias de Alpiarça fazia, tivesse tido melhor assistência médica e não tivesse falecido. Não foi presa, no entanto, durante quase um ano em que viveu com o seu companheiro Manuel Colhe, passou privações, viveu mal.
Quanto a Galiza, em 1959 deixou tudo, literalmente tudo, partindo para outras formas de luta com uma mão atrás e outra à frente. Teve sucesso em tudo o que fez. Os esbirros nunca lhe conseguiram pôr as patas em cima. Quando regressou a Alpiarça, por volta de 1976, veio com uma mão atrás e outra à frente. Mas com o sentimento de dever cumprido. E com uma filha que, devido às condições de seus pais, tirou apenas a 3ª classe e, durante anos e anos, teve apenas por companhia, para além de seus pais, um cão.
Esses, que não são carneiros (e como não o são, não terão, concerteza, preconceitos), saibam alguma coisa daquelas vidas, lendo a autobiografia recentemente editada de Galiza e da do Colhe, que está quase a ser posta à venda.
Estes homens e estas mulheres (e os outros que já vinham sendo homenageados e os que vieram a sê-lo posteriormente, assim como as instituições) praticaram actos que se enquadram plenamente no sentido destas homenagens.
O acto da criação do concelho de Alpiarça não foi um acto libertário, ali não esteve subjacente factores associados à Liberdade de um Povo, maioritariamente operariado agrícola. Leiam a argumentação a favor e contra a criação do concelho, nos órgãos supremos da Nação de então.
Naquela época já a República (e muitos dos que efectivamente se tinham envolvido na Causa, numa Causa justa, libertadora) era uma desilusão, estava envolta em profundas contradições e onde, mais uma vez, os zés ninguéns tinham já sido esquecidos. 5 de Outubro de 1910 já lá ia há muito.
Já havia sindicatos agrícolas fechados (o de Alpiarça, por exemplo), sindicalistas presos, bens dos sindicatos confiscados e, daí a nada, Portugal era atirado para um conflito militar mundial, com uma tropa fandanga, mal preparada, mal agasalhada, mal alimentada, enquanto uns quantos oficiais se pavoneavam e os desgraçados ficavam abandonados nos campos de batalha.
Tudo o resto faz parte da estratégia que uns quantos vêm implementando em Alpiarça. O que é preciso é provocar casos (e caos). Para depois haver lamúria.