100 fortunas erradicariam quatro vezes a pobreza
O custo da desigualdade
Se
nunca ninguém soube calcular quantos pobres são necessários para
produzir um rico, como se interrogou Almeida Garrett em 1846, pelo menos
hoje sabemos que 100 ricos chegam largamente para erradicar a pobreza
extrema no planeta.
Os cálculos constam num relatório apresentado, no sábado, 19, pela organização não governamental (ONG) Oxfam International.
Nele
constata-se que o rendimento líquido dos 100 multimilionários mais
ricos ascendeu, no ano passado, a 240 mil milhões de dólares (180
milhões de euros). Este montante, afirma a Oxfam, é quatro vezes
superior ao necessário para acabar com a pobreza extrema.
O
documento, intitulado «The cost of inequality: how wealth and income
extremes hurt us all» (O custo da desigualdade: como a riqueza e os
rendimentos extremos nos prejudicam a todos), foi preparado por ocasião
do Fórum Económico Mundial de Davos, cujos trabalhos, ontem iniciados,
decorrem até domingo, 27.
Os seus autores concluíram que, nos
últimos 20 anos, os rendimentos de um por cento da população mundial
mais rica aumentaram 60 por cento, «evolução que a crise financeira
contribuiu para intensificar e não para abrandar».
A Oxfam,
organização que defende posições moderadas dentro dos limites do
capitalismo, considera que «a riqueza e os rendimentos extremos não são
apenas contrários à ética, ineficazes no plano económico e destruidores
no plano político, mas dividem a sociedade e são nocivos ao ambiente».
Como
afirmou o director-geral desta ONG, Jeremy Hobbs, «hoje não podemos
mais pretender que a acumulação de riqueza por um punhado de
privilegiados beneficia necessariamente o maior número de pessoas. Na
maior parte das vezes, o contrário é que é verdade».
«A
concentração de recursos nas mãos de um por cento dos mais ricos
enfraquece a actividade económica e torna a vida das outras pessoas mais
difícil, particularmente na base da escala económica».
Jeremy
Hobbs notou ainda que «num mundo onde até os recursos mais essenciais,
como a terra e a água, rareiam, não podemos permitir-nos a concentrar
activos nas mãos de algumas pessoas e deixar que a maior parte dispute
os restos».
A Oxfam aponta como exemplos os progressos
assinalados no Brasil, onde o crescimento económico tem sido acompanhado
pela redução dos índices de pobreza, e lembra a política social dos
anos 30, nos Estados Unidos de Franklin Roosevelt, para apelar a um «New
Deal» mundial contra as desigualdades.
«Precisamos de um novo
New Deal mundial para inverter o crescimento das desigualdades observado
nas últimas décadas», declarou Jeremy Hobbs, exortando os dirigentes
políticos a comprometerem-se a fazer recuar a desigualdade para os
níveis de 1990.
Um terço da riqueza em paraísos fiscais
No
seu relatório, a Oxfam critica a existência de paraísos fiscais, onde
«os mais ricos beneficiam de um sistema económico mundial falseado que
os favorece».A organização calcula que o fim dos paraísos
fiscais, onde se escondem 32 biliões de dólares (24 biliões de euros),
ou seja um terço da riqueza mundial, geraria um aumento das receitas
fiscais aos estados na ordem dos 189 mil milhões de dólares (142 mil
milhões de euros).
Considerando que é tempo de reformar o sistema
de modo a «servir o conjunto da humanidade e não uma elite mundial», a
Oxfam pronuncia-se contra a actual tendência para formas mais
regressivas da fiscalidade, pugnando por uma taxa mínima de tributação
das empresas à escala mundial.
No mesmo sentido, defende o
incentivo dos rendimentos em vez dos rendimentos do capital e o aumento
dos investimentos nos serviços públicos gratuitos e na Segurança Social.«jORNAL aVANTE»