Apesar de uma grande parte dos
deputados que estão na Assembleia da República se dedicar à advocacia, a
verdade é que a qualidade das leis que ali se produzem deixa muito a
desejar.
Apesar de uma grande parte dos deputados que estão na Assembleia
da República se dedicar à advocacia, a verdade é que a qualidade das
leis que ali se produzem deixa muito a desejar. E não é de hoje. Já
chegámos ao ponto de ver Pinto Monteiro a pedir aos deputados, em plena
comissão parlamentar, que tirassem uma vírgula entre sujeito e predicado
num artigo. Mas o problema legislativo em Portugal não é só
gramatical. Cavaco Silva já avisou um sem número de vezes que "toda a
lei que seja incerta, mal avaliada quanto aos seus efeitos ou portadora
de normas de duvidosa inconstitucionalidade inquina o sistema de
justiça".
Por entre gralhas, erros gramaticais, omissões,
inconstitucionalidades, remissões para normas inexistentes, se vão
fazendo as leis em Portugal. Exemplo disso é a nova lei que aprova o
pagamento de metade dos subsídios em duodécimos e que está a provocar
as mais variadasinterpretações jurídicas.
É que a lei que entra em vigor hoje, sim hoje, diz que o pagamento em
duodécimos "não se aplica a subsídios relativos a férias vencidas antes
da entrada em vigor da presente lei". O problema é que os subsídios de
férias devidos este ano (pelo trabalho prestado em 2012) são relativos a
férias já vencidas a 1 de Janeiro. Logo, se a lei entra em vigor hoje,
então o pagamento em duodécimos excluiria o subsídio de férias. É esta a
interpretação de vários especialistas contactados pelo Diário Económico
que dizem que em vez de "antes da entrada em vigor da presente lei", os
deputados deveriam, ao invés, ter escrito "antes da produção de efeitos
da presente lei". É uma nuance, mas que faz toda a diferença.
O caso em si não é grave. Os deputados, muito provavelmente, vão
fazer uma declaração de rectificação, e daí não vem grande mal ao
mundo. Mas é um sintoma da forma atabalhoada e apressada como as leis
são feitas. E não seria preocupante se fosse um caso único. Ainda há
dias Cavaco promulgou a Reorganização Administrativa do Território e
agora veio-se descobrir que o decreto fez "desaparecer" três freguesias
do concelho de Barcelos. Quem vivia em Ucha, Várzea ou Vila Seca deixou
de existir aos olhos da lei. Carlos Abreu Amorim veio ontem descartar
a necessidade de uma nova votação no plenário, bastando accionar a
famigerada figura de rectificação. O deputado do PSD veio criticar a
"tendência natural neste país para complicar, em vez de simplificar".
E terá sido imbuídos deste espírito simplificador que os deputados
também desenharam e aprovaram o novo desenho administrativo de Lisboa
com um insólito erro no mapa que criou a freguesia do Parque das
Nações, num território até à altura pertencente ao município de Loures.
Neste caso Cavaco perdeu a paciência e chumbou o diploma. Na altura,
voltou a pedir "qualidade e o rigor na produção das leis".
E foi com a qualidade habitual que os deputados também aprovaram a lei sobre a limitação dos mandatos e até agora, com as autárquicas à porta, ainda ninguém percebeu muito bem se a limitação dos mandatos dos autarcas incide sobre o território ou sobre a função.
E foi com a qualidade habitual que os deputados também aprovaram a lei sobre a limitação dos mandatos e até agora, com as autárquicas à porta, ainda ninguém percebeu muito bem se a limitação dos mandatos dos autarcas incide sobre o território ou sobre a função.
Se procuráramos mais para trás, se calhar vamos encontrar outros
exemplos - Código do Trabalho, Lei do Divórcio ... - de casos de leis
que, por terem sido mal feitas, tiveram custos directos e indirectos
para o Estado, sendo que o mais gravoso é a insegurança jurídica e a
inoperância da Justiça.
A única estimativa que se conhece para os custos de legislação mal
feita foi avançada, há já dois anos, por uma técnica da presidência do
Conselho de Ministros: 7,5 milhões por ano. Visto que temos 230
deputados, e que cada um leva para casa cerca de três mil euros, é fácil
concluir e fazer as contas: se os deputados fizessem as leis como deve
ser, o dinheiro que se pouparia chegava para lhes pagar o salário.
«DE»
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