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segunda-feira, 17 de março de 2014

Era uma das primeiras noites de Primavera depois de um Inverno rigoroso

Apetecia respirar.
22h30  de  Sexta-Feira
Por: Isabel Faria
O  Pingo Doce do Campo Santana, encerra às 20h30. Na rua, três homens e uma mulher, de sacos do supermercado na mão, pareciam os últimos clientes que se tinham atrasado na saída. Ainda me questionei se já estaríamos no 1.º de Maio e teria havido umas promoções especiais para “comemorar” o dia e o encerramento tinha atrasado... Mas não, ainda é Março.
Num dos homens que enchia os sacos nos caixotes do lixo do supermercado, reconheci um dos primeiros eleitores, em todas as Eleições em que estive nas Mesas de Voto da Freguesia da Pena.  Chegava sempre cedo e bem disposto e cumprimentava-nos a todos com um caloroso aperto de mão. Perguntei-me se terá sido um dos que, com o seu voto, contribuiu para que chegássemos aqui, ou se, pelo contrário,  sempre lá foi para o tentar evitar. Por momentos achei que me reconheceu e eu...fugi o olhar. Há perguntas que não temos o direito de nos fazer, perante o sofrimento. Não somos seres perfeitos, mesmo.
Um bocadinho mais à frente, em cima dum caixote do lixo, estavam dois sacos de plástico. Um estava fechado e no outro, transparente, havia Iogurtes Danone. Parece que começou a ser hábito nas ruas das nossas cidades: colocam-se os restos que ainda podem ser utilizados, os Iogurtes fora de prazo, a fruta, meio apodrecida, separados do resto do lixo. Quando voltei, menos de 20 minutos depois, já não havia nada em cima do caixote.  Alguém conseguiu jantar na Sexta-Feira...
A propósito de Iogurtes Danone, lembrei-me da notícia que correu esta semana pelas redes sociais. A Danone procura um estagiário para o seu Departamento de Segurança de Equipamentos. O trabalho será “remunerado”, mensalmente, com uma embalagem de 24 Iogurtes  Danone e destina-se a formados em Engenharia ou Higiene e Segurança no Trabalho. Pretende-se pessoa que seja dinâmica, organizada e atenta ao detalhe, que fale Inglês e compreenda Espanhol.
Mas para que não fique a ideia que são só desgraças e tristezas neste País, antes de voltar pela Gomes Freire tive oportunidade de olhar calmamente o novo edifício da Polícia Judiciária. Ainda não há muitas luzes acesas, mas percebe-se que está pronto a funcionar. Ocupa um quarteirão inteiro, custou 87 milhões de Euros, a obra começou num Governo PS e foi concluída num Governo PSD/PP. Segundo um dos dirigentes profissionais da PJ, dá para albergar duas Polícias. É o maior da Europa, tem um heliporto e um bunker subterrâneo. Parece que o bunker é para servir de refúgio em caso de terramoto.
Será que o bunker não poderia mesmo ter outra utilidade até porque todos queremos acreditar que nunca haverá um terramoto em Lisboa e é um espaço demasiado grande para ficar desocupado? Sei lá, se ainda tiverem um pingo de humanidade (terão?) os governantes deste País que puseram os homens e mulheres deste País a procurar comida nos caixotes do lixo dos supermercados ou dos vizinhos, não se deveriam refugiar nele? Já nem digo com medo...apenas, com vergonha?
Voltei para casa. Afinal, não é possível respirar. O Inverno ainda não passou. Nem se vislumbra a Primavera.

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