A "Verdade", de que Manuela falava, acabou por entrar casa dentro, sem dó nem piedade. Mas o PSD perdeu as eleições e uma parte substancial do seu eleitorado refugiou-se no CDS e nas meias verdades de Paulo Portas.
Dois anos depois, Pedro Passos Coelho vive o mesmo drama, contra profecias que não se cumpriram. Não tem muito tempo o peito feito de quem, no directório partidário, anunciava que o PSD tinha "emprestado" uns tantos deputados ao CDS. E que, tranquilamente, os iria recuperar. Enganaram-se. A não ser que os 15 dias que sobram consigam operar um milagre, Portas não só não devolve votos como poderá morder mais as canelas. Ver-se-á se ao ponto de dar vantagem ao homem que muitos, a começar em Marcelo Rebelo de Sousa, profetizaram estar morto. O intuitivo Portas percebeu que o anúncio da morte do artista era (é) um tanto exagerado. E reforçou a dose de pragmatismo: tanto dá no PS como dá no PSD; ganhe quem ganhar, o decisivo é ele próprio.
Há dias, no regresso à política activa, Fernando Nogueira avançou um facto que talvez o tempo ajude a confirmar: o dr. Paulo Portas está com tiques socráticos. Se fossem apenas tiques!...
Portas, tal como Sócrates, não tem programa, tem um panfleto; não cai na esparrela de se enredar em números sobre baixa ou subida de impostos; está preocupado, muito preocupado, com os cuidados paliativos e com a ressurreição da agricultura; apregoa "prudência, muita prudência", pormenor em que é secundado por Sócrates. E fala como se não se tivesse comprometido, tal como Sócrates, com a troika ("o triunvirato") que, depois do 5 de Junho, não nos vai dar folga de respiração.
Passos Coelho, ironicamente como Ferreira Leite, fala verdade, diz ao que vai, anuncia reformas, assume rupturas. Arrisca. Sem apuros mediáticos, sem alma de vendedor, sem arte para a feira. O imbróglio é grande: não lhe bastava um Sócrates imbatível na forma. A forma veio numa duplicata potencialmente cúmplice. Paulo Portas, já se viu, não se faz de esquisito. Dêem-lhe poder, governo e os negócios estrangeiros. O resto é conversa.
Quer isto dizer que Passos Coelho vai perder as eleições? Não. Quer dizer que podia ganhar com outra tranquilidade e outra folga? Sim. Mas as coisas são o que são. E são a sua natureza.
«DE»
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