Pedro Passos Coelho anunciou que, caso venha a ser eleito, acabará com o Ministério da Cultura, passando a Cultura a ficar na «dependência directa do primeiro-ministro».
A expressão «dependência directa» diz tudo: recusa-se a esta pasta a dignidade de uma acção autónoma. A Cultura passará a ser o passatempo das horas vagas do primeiro-ministro. A rapariga com a qual se vai dar uma voltinha antes de se regressar a casa, ao conforto da família e à tranquilidade das coisas sérias. O prazerzinho clandestino que ajuda a aguentar a dura realidade. A flor no ego: só um primeiro-ministro cheio de força vital consegue aviar a Cultura nos intervalos da chefia do Governo de um país de pantanas.
Vasco Graça Moura acrescentou que este modelo é o mais adequado «à salvaguarda do património material e imaterial» e que esta é a «orgânica que permite um mínimo de despesas e um máximo de economia e eficácia». Sem casa própria nem estratégia de vida – a não ser a de esperar pela disponibilidade do primeiro-ministro – crê-se que a Cultura sairá mais barata.
Esta visão da Cultura como mero ‘património’ a encadernar ‘eficazmente’ para fazer boa figura é habitualmente descrita como ‘de direita’, por contraponto à visão dita ‘de esquerda’, centrada na criatividade.
Manda a lucidez dizer que a esquerda levou tão longe a ideia da ‘necessidade de apoio à criatividade’ que acabou por gerar no cidadão comum uma irritação contra ‘os artistas’ e ‘os subsídios’.
O paternalismo é apenas e só o reverso do liberalismo desenfreado: duas faces da mesma moeda de arrogância e discriminação. Ora, se é verdade que muito do que hoje (sob a vasta e condescendente burka do ’multiculturalismo’) se descreve como ‘arte’ não é mais do que demagogia espertalhona, não é menos verdade que a Cultura do ‘património’ é a dos que são incapazes de reconhecer a capacidade inovadora e transfiguradora das artes contemporâneas.
Dos que apenas estão interessados em proteger os seus direitos adquiridos: o privilégio das suas velhas bibliotecas (porque as novas não lhes interessam, não vá o povo ficar a saber tanto como eles), o fulgor dos seus cânones herdados.
A cultura é a raiz da mudança – e é um investimento rentável.
Por isso, a esmagadora maioria dos países europeus tem um Ministério para esta área. Em pouco mais de um ano, o Ministério dirigido por Gabriela Canavilhas criou o Sistema Nacional de Conservação para o Património Imóvel, lançou quatro novas bibliotecas públicas ( da extraordinária rede de bibliotecas que, nas últimas duas décadas, provocou um aumento exponencial da leitura em Portugal) , estabeleceu importantíssimas parcerias nacionais e internacionais que permitiram aumentar as verbas disponíveis e apoiar novos projectos, e legislou intensa e eficientemente em áreas tão centrais como os direitos de autor, o cinema, a dança ( criando o estatuto do bailarino) , as orquestras, os trabalhos arqueológicos e a exportação temporária de bens culturais.
É triste que o primeiro-ministro ainda em funções nunca se lembre de falar de Cultura e elencar o muito que, desde Outubro de 2009, tem sido feito.
As indústrias culturais desenvolvem novos postos de trabalho, produtos de exportação, turismo. E fazem nascer as ideias novas que sempre salvaram o mundo. Não pode ser uma protegida do senhor primeiro-ministro; para esse modelo já demos.
O respeitinho é mais do que muito bonito – é mesmo a primeira prova de cultura.
«inespedrosa.sol»
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