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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Eles adoraram Lula. Será que o perceberam?

A visita de Lula da Silva deu azo a uma daquelas unanimidades bizarras do Portugal moralista. Os portugueses não falam mal, em público, nem de mortos, nem de ex-presidentes. E quando estes decidem dar a volta ao mundo a cobrar tarifa milionária para espalhar sapiência, tratam de os receber com efusiva alegria e devota humildade, prontos para os ouvir. Ouvir? Sim. Aprender é que não.
Vejamos: ao explicar a sua experiência governativa no Brasil, reconhecidamente notável, Lula sublinhou para a audiência de políticos, economistas, banqueiros e empresários, algo como isto, citado aqui, sábado, no Diário de Notícias, por João Marcelino: "Um milhão nas mãos de um rico gera uma conta bancária ao serviço da especulação financeira; um milhão distribuído por pessoas pobres é uma aposta na economia."
Parece que a intervenção do homem que quando conseguiu ser eleito pressagiava, na boca de muitos dos que estavam naquela sala, o afundamento definitivo do país numa perigosa deriva socialista ou, quiçá, comunista, foi aplaudida de pé. À noite, a notável personalidade até foi jantar com Passos Coelho, Paulo Portas e Miguel Relvas, pessoas que, aposto, em 1 de Janeiro de 2003, quando o sindicalista e metalúrgico tomou posse como presidente da República Federativa do Brasil, achavam o pior possível desse facto e nunca se imaginariam na situação de um dia virem a ter orgulho de serem fotografados para a imprensa a entrar num restaurante para comer na mesa do fundador do Partido dos Trabalhadores.
O que Lula da Silva diz naquela frase tem uma base teórica bem simples: como está estruturado o sistema económico, a riqueza só se cria e distribui em proporções e quantidades aceitáveis se houver consumo que pague e estimule a actividade produtiva. Para haver consumo, os pobres têm de ter dinheiro para consumir. Logo, as políticas do Estado devem privilegiar o estímulo ao consumo e não a protecção dos financeiros.
Isto pode estar errado, mas é algo que muitos teóricos liberais, da direita mais retinta, são capazes de defender. Mas, na prática, a tese é torpedeada todos os dias por esses mesmos teóricos quando exercem cargos governativos. Recordemos, só para dar um exemplo, que 12 mil milhões dos 72 mil milhões de euros que a troika europeia promete emprestar a Portugal, para enfrentar a situação de crise actual, vão directamente para a banca. Para os pobres não foi anunciado um cêntimo, sequer.
Desconfio que os que aplaudiram a frase de Lula com tal entusiasmo não estavam a lembrar-se, coitados, do país em que vivem. 
«dn»

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