Por: José João Pais |
Entrámos no ano do Centenário do concelho de Alpiarça.
No livro que irei em breve apresentar, “Alpiarça, Um concelho da República”,
faço uma abordagem circunstanciada do que então se passou. Aqui fica um pequeno
texto do livro, sobre o ambiente, tenso, que se vivia um ano antes entre Almeirim e Alpiarça.
Em 1913, as pessoas mais influentes de Alpiarça
começavam a movimentar-se nos meios de informação regionais no sentido de criar
um clima favorável na opinião pública e de pressão sobre os órgãos municipais
de Almeirim, relativamente à formação de um novo concelho em Alpiarça. O jornal
O Debate refere a 11 de Dezembro que “segundo as nossas informações, Alpiarça
vai ser elevada a sede de concelho”.
Mas também houve movimentações políticas fundamentais
para proporcionar esse desenlace. Em 5 Junho de 1913 surgem notícias no jornal
Correio da Extremadura que o Governador Civil “estava na disposição de colocar
em Alpiarça a sede de concelho e se trabalhava para lhe anexar a freguesia de
Vale de Cavalos”. O mais interessante nesta notícia, é que, além da criação do
novo concelho, se falava já na agregação da freguesia de Vale de Cavalos ao
concelho a criar. Eram, por isso, planos com objectivos mais alargados:
conseguir a autonomia administrativa e alargar área territorial. E, tudo isto,
pretensamente, acarinhado pelo Governador Civil.
A ninguém causaria surpresa esta notícia se soubesse
quem era o governador civil. Na verdade, tratava-se de um alpiarcense ilustre,
o Dr. João Maria da Costa. Médico dermatologista e desportista de mérito, já
que foi um dos primeiros utilizadores da bicicleta em Portugal (vide História
do Ciclismo em Alpiarça, do autor). Foi também um xadrezista de nível nacional,
tendo sido o fundador e primeiro presidente da Federação Portuguesa de Xadrez,
em 1927. Politicamente acompanhou José Relvas desde os tempos da propaganda
republicana. Nesta altura é um homem afecto ao Partido Democrático. José
Relvas, por sua vez, está em Madrid, como embaixador.
As notícias que atrás referimos, publicadas no Correio
da Extremadura e no Debate, acabam por ser prontamente desmentidas, como
convinha à independência que o cargo exigia. “Era um perfeito disparate”,
comentava-se uma semana depois.
Mas...onde há fumo, normalmente há fogo, assim
pensariam os almeirinenses, de que Alpiarça era freguesia e os chamusquenses,
de que Vale de Cavalos fazia parte integrante.
O momento culminante destas movimentações deu-se com
as eleições nacionais e municipais de Dezembro de 1913.
Vejamos o que se passou nestas eleições realizadas no
dia 1 de Dezembro 1913 para as camaras municipais. Eram as primeiras eleições
para as vereações desde a Revolução.
À volta das eleições em Almeirim cria-se um clima
muito especial. Pela imprensa regional tinham começado a circular as notícias de
movimentações políticas para que fosse criado o concelho de Alpiarça. Sendo
esta a principal freguesia de Almeirim, perceber-se-á a agitação que isso
provoca num período de eleições municipais.
É neste contexto, e tendo como pano de fundo a
emancipação de Alpiarça, que aparecem duas listas para disputar a Câmara. Não
eram listas de partidos diferentes, mas de interesses diferentes. Uma era
constituída por gente de Almeirim e outra afecta aos anseios de Alpiarça.
A lista afecta aos interesses de Almeirim é liderada
por Guilherme Nunes Godinho. Os “homens de Alpiarça”, para tentarem garantir
que as suas pretensões seriam salvaguardadas, apresentam a sufrágio, entre
outros, José dos Santos Duarte, Manuel Nunes Ferreira, Gaspar da Costa Jacob
Júnior, Francisco de Paula, José Maria Leal, José Marques Vau, José Joaquim das
Neves e Joaquim Lima Coito Calado.
A luta foi renhida. Venceram os candidatos afectos a
Almeirim pela pequena margem de 8 votos. Nos órgãos municipais Alpiarça iria
ficar em minoria.
Assim, após a votação, o Senado municipal de Almeirim,
constituído por 24 elementos, passou a integrar 15 pessoas de Almeirim e 9 de
Alpiarça. Os 9 senadores de Alpiarça não tomaram posse. Do mesmo modo, após a
eleição dos 7 elementos da comissão executiva, verifica-se que também foram
votados 2 elementos de Alpiarça, José Maria Leal e Joaquim Lima Coito Calado.
No entanto, como referiu Guilherme Nunes Godinho na sessão do Congresso de 18
de Março de 1914, quando da votação para a criação do concelho de Alpiarça, “nenhum
dos vereadores eleitos por Alpiarça tomou posse”. De facto, nessa altura, os
alpiarcenses já se viravam para outros horizontes políticos mais influentes a
nível nacional sedeados em Lisboa: Câmara de Deputados, Senado e Congresso da
República. Era aí que procuravam a solução para os seus desígnios, a
independência administrativa.
A separação da freguesia de Alpiarça começava, assim,
a concretizar-se com as tomadas de posição politica a nível local.
Eram sinais claros de que os alpiarcenses estavam mesmo
decididos a desligar-se de Almeirim e a criarem um concelho autónomo. O jornal
Debate, de Santarém, na sua edição de 4 de Dezembro, refere a propósito destas
eleições, que “em Almeirim venceu a lista regionalista da vila contra a de
Alpiarça, não tendo por isso carácter político”.
O jornal Correio da Extremadura dizia na sua edição do
dia 11 de Dezembro “Em Almeirim a luta foi renhida. Circunscreveu-se a um
regionalismo que triunfou na sede do concelho por 8 votos”.
Mas, no terreno, as relações azedam. A luta endurece.
Há chantagens pelo meio. Os homens de Alpiarça dizem, que se Almeirim não lhes
conceder a independência mudam-se para o concelho de Santarém. Mandam recados
através da imprensa regional.
Na edição de 11 de Dezembro de 1913, o jornal O Debate
dá conta aos seus leitores dos problemas existentes entre as duas terras
vizinhas, referindo que, “As últimas eleições camarárias vieram cavar entre as
duas localidades um enorme abismo, tornando-as completamente incompatíveis.
Alpiarça, confiada nos seus dois ou três votos de maioria, apresentou lista sua
para a Câmara, sem se importar com Almeirim. Esta, por sua vez, vendo-se
ameaçada de ficar sem maioria na Câmara, preparou-se para a luta, que foi
renhidíssima, cabendo-lhe a vitória.
Ora isto deu em resultado que Alpiarça resolveu pedir
a sua anexação ao concelho de Santarém no caso de lhe não criarem o concelho a
que se julga com direito”.
Acredita-se que o governo da nação ponha entraves a
esses desejos. Mas, também se acredita que esses problemas se poderão resolver
de forma diplomática. Aponta-se o nome de José Relvas, como a pessoa capaz de
resolver diplomaticamente a questão. No futuro se verá como esta profecia se
cumprirá.
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