Por: NICOLAU DO VALE PAIS (*) |
O património cultural é um excelente negócio em si,e um catalítico que há muito deveria ter saído da guerrilha ideológica.
Um milhão de euros vertidos na economia local - dos quais apenas 150 mil euros são efectivamente cobrados aos nossos bolsos, sendo 850 mil euros comparticipados pelo QREN para obras de requalificação - conseguidos junto das instâncias europeias; perto de 14 mil visitantes anuais num concelho que não chega aos 8 mil; um edifício saído do traço do arquitecto Raul Lino (1904) absolutamente imperdível no seu brilho austero, iluminado e racional, que se constitui como um paradigma da nova linguagem da época, a arquitectura conceptual; uma colecção de arte e espólio pessoais que são um desafio à capacidade de nos vermos no Portugal de início do século XX, às portas da revolução que foi a implantação da República. O património cultural é um excelente negócio em si, e um catalítico que há muito deveria ter saído da guerrilha ideológica para se inscrever no capítulo apartidário e civilizacional da identidade. Não existe economia sem cultura.
Foi isso que José Relvas percebeu e que o levou a procurar na filantropia a regeneração essencial aos desafios da sua época. O proprietário da Casa dos Patudos em Alpiarça nasceu na Golegã em 1858, tendo falecido em Alpiarça em 1929. Filho de lavradores abastados, aderiu ao Partido Republicano já com 50 anos de idade; na vida política, foi ministro das Finanças logo a seguir à proclamação da República e foi ele o responsável pelas reformas estruturais que viriam a conduzir à introdução do Escudo. Foi Embaixador de Portugal em Madrid; foi escolhido pelos seus pares para ser o proclamador da República, na varanda da Câmara Municipal de Lisboa, em 5 de Outubro de 1910. A visita à sua casa é uma viagem ao nascimento de um novo sentido de cidadania, espelhado no brilho das inúmeras obras que constituem o espólio deste Republicano. Cerâmicas e pintura de Columbano Bordalo Pinheiro, ou magnífica faiança portuguesa; arraiolos de fio de seda em tela de linho, ou alguns exemplares da mais brilhante azulejaria portuguesa, estão pontuados por originais de José Malhoa, Silva Porto ou Constantino Fernandes, numa colecção de pintura notável. Peças da Companhia das Índias surgem nesta colecção pessoal e legado inigualáveis, acompanhadas por cerâmicas Vista Alegre primitivas ou mobiliário estilo Império (francês). Embora a distribuição de electricidade só tenha chegado ao concelho mais tarde, José Relvas tinha mandado electrificar a casa, no melhor espírito da época e da reinvenção das noções de prosperidade e progresso daquele início de século. A visita é, no fundo, uma monografia íntima sobre um homem público.
Entre as obras que publicou, consta um titulo que não deixou de me chamar a atenção de forma aguda: o livro "A questão económica portuguesa: aspectos do problema agrícola". Ainda não li mas, como qualquer trabalho que relacione território e prosperidade, merecerá em breve a minha atenção. Talvez envie mesmo um exemplar a Sua Excelência, o Presidente da República. Mas isto sou eu a deambular, vaidoso, a achar que percebo José Relvas quando defendia que, no fundo, no fundo, são trágicas e evidentes as ligações entre uma sociedade culturalmente insensível e uma economia fatalmente insustentável no seu deprezo pela terra... Mas essencial, mesmo, é visitar a Casa dos Patudos, a menos de uma hora da megapólis Lisboa. Entradas a 2,5 euros, uma loja de recordações que são mais do que só isso, e um serviço de guia exemplar, garantem desde logo uma inspirada passagem por estes outros Descobrimentos.
Agradeço a prestabilidade e diligência de Nuno Prates, Conservador da Casa dos Patudos, com quem tive o prazer de visitar este pedaço de património inestimável.
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