.

.

.

.

domingo, 3 de março de 2013

O trabalho forçado de Salgueiro


1. Convidar uma pessoa para uma entrevista e depois escrever uma coluna a criticá-la é coisa que evito. Abro agora uma exceção. A entrevista a João Salgueiro resume uma certa forma de olhar para o país que está nos antípodas do que penso. Diz Salgueiro: "O desemprego é um desperdício. Há gente que podia estar a produzir para o bem de todos e que não está. (...) É assim tão difícil pôr as pessoas a tratar das matas?" É uma frase preocupante. Com esta tirada Salgueiro esquece-se de que as pessoas descontam para o subsídio de desemprego (é delas que estamos a falar: pessoas que trabalharam e descontaram) e quando estão desempregadas estão a receber um apoio que pagaram. Isso: que pagaram. Enviar as pessoas para a mata e achar isso normal é acreditar que o subsídio de desemprego tem de ser pago duas vezes: primeiro com descontos, depois com mais trabalho. Esta discussão não é nova, por isso Salgueiro deveria voltar a ela com mais atenção. Há realmente um problema de inatividade dos desempregados de longa duração - o regresso ao mercado de trabalho fica mais difícil. Mas não se resolve mandando as pessoas para a mata.
Ponto final: É assustadora a receita de Salgueiro para o desemprego.

2. Na mata a apanhar pinhas
Há um debate que devemos ter: como resolver o problema dos desempregados de longa duração, como evitar que estes desempregados fiquem presos na ratoeira da inatividade e percam ainda mais capacidades profissionais. Além de ser uma tragédia pessoal, um desperdício - e um custo - económico cada vez mais impactante. O debate lançado por João Salgueiro não é, no entanto, este. Parece, mas não é. O ex-banqueiro acha que devemos mandar os desempregados trabalhar na mata ou tratar de idosos e que isso não faz mal a ninguém. Assim mesmo. Ora bem, a forma como se colocam os debates não é irrelevante: o ponto de partida condiciona o ponto de chegada. Salgueiro arrasa uma série de princípios com esta tirada superficial. Primeiro: mandar pessoas para a mata não valoriza profissionalmente ninguém - é um castigo. Segundo: há pessoas que trabalham (e bem) na mata, nos campos... e o que fazem não pode, não deve ser desvalorizado, tem de ser, pelo contrário, cada vez mais profissionalizado. Terceiro: obrigar uma pessoa a apanhar tomates não é um grande incentivo para que isso seja bem feito. Dito isto, claro que o Estado podia criar incentivos para as pessoas se reciclarem profissionalmente; podia criar incentivos para que se dedicassem a atividades de solidariedade social. Mas uma coisa é obrigar, mandar as pessoas para campos de trabalho forçado; outra é realmente criar alternativas que criem riqueza, resolvam problemas e aumentem as saídas dos desempregados de longa duração, gente que descontou e tem a legítima expectativa de receber o apoio do Estado quando dele precisa.
Ponto final: Obrigar as pessoas a ir para a mata é indefensável.
Fonte: JN

Sem comentários: