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sábado, 1 de setembro de 2012

Julgamento de António Malaquias Abalada



O primeiro a ser detido é António Borges Elias “Serrador”, no dia 13 de Maio; segue-se Luís Bravo e Abel Pereira da Silva a 14; depois segue para a prisão, a 15 de Maio, Silvério da Conceição Geada. António Cavaca Calarrão é preso a 20 de Maio; Manuel Conceição Elias “Manuel Serrador ou Manuel Isabelinha”, Desidério Figueiredo “Sapateiro”, João Dias Pedro “o Cegonha” e António Engrácio Pais Roque são presos a 22 de Maio; Angelino e António Cravina Agostinho “Lagarto” acabam por ser detidos a 1 de Julho e uma semana depois é a vez de Joaquim Jesus Figueiredo “o Tarrafalão”.

Greves de 1959 em Alpiarça.  
Julgamento de António Malaquias Abalada (foto)
Por: José João Pais

O ano de 1959 foi passado em ambiente de tensão politica e repressiva em Alpiarça. Era uma espécie de jogo do gato e do rato entre, por um lado, os elementos da PIDE, que ainda não se fixara em Alpiarça, o que aconteceu em 1965 e os da GNR, comandados pelo Sargento Pires e, do outro, os opositores ao regime, coordenados pela estrutura local e regional do Partido Comunista. Não nos podemos esquecer que no ano anterior tinham ocorrido as eleições para Presidente da República, nas quais Alpiarça esteve em evidência pelo seu apoio incontestável ao General Humberto Delgado que aqui teve um resultado histórico, com 82,6% dos votos entrados nas urnas. De facto, dos 983 eleitores, votaram 713, e destes 589 votaram H. Delgado.
Alguns olhos estavam atentos às movimentações, por mais cuidadosas que fossem, na vila, no início de 1959. No dia 19 de Abril, o agente da PIDE do Posto do Entroncamento, José Lopes, anota no seu relatório que “na residência de Moisés Francisco Oliveira Marques e de Olímpio Francisco de Oliveira, desde há muito se efetuam reuniões com cerca de 6 indivíduos da classe rural e outros. Reúnem-se sobretudo à 3ª Feira desde o anoitecer até cerca da meia-noite.
Entre outros indivíduos, costuma assistir a essas reuniões Francisco Presuncia Bonifácio. Este indivíduo é tido como possuidor de ideias comunistas e no último período eleitoral fez parte da comissão de propaganda do Dr. Arlindo Vicente. É também indicado como agitador do meio rural e propagandista das suas ideias políticas. Quanto aos donos da citada casa, também são sobejamente conhecidas as suas ideias politicas – o Moisés é um conhecidíssimo elemento comunista e o Olímpio, seu filho, é membro da União Nacional da Juventude, ligada ao p.c.p.”
A PIDE “fareja” toda esta atividade em Alpiarça e percebe que algo se estava a tramar. “Cozinhava-se”, com efeito, mais uma greve nos campos. Outras reuniões se realizam. Uma delas tem lugar em fins de Abril na Quinta do Meirinho. Será presidida pelo funcionário do Partido Comunista, Armando Domingues do Norte, um operário vidreiro da Marinha Grande, responsável pela área de Alpiarça. Cerca da meia- noite, junto a uns sobreiros, começam a chegar os cerca de 15 participantes contatados. Lá estão Francisco “Galiza”, Francisco Coelho Matias, Manuel Libânio, António Curvacho Centeio, Álvaro Brasileiro, António Farinha, José Cravina Isidoro, Francisco Concho Cardoso, António Alcobia Chamusquenho, Pedro Lobeiro do Norte, Manuel Cadimas, Inácio da Silva Tendeiro, Pedro Alcobia “Riu-Riu” e Jaime Cantoneiro.
Nesta reunião abordam-se as próximas acções reivindicativas dos camponeses, a organização partidária, tendo ficado estruturadas 5 células de camponeses.
Para os primeiros dias de Maio é convocada uma nova assembleia. Desta vez, o local é na Herdade do Vale Peixe, pertencente à Duquesa do Cadaval. Discutem-se os aumentos salariais que vão ser pedidos na praça de jorna e a possibilidade de se avançar imediatamente para uma greve, caso não fossem atendidas as reivindicações. Pretende-se subir a jorna de 30 para 40$00. Os capatazes não se mostram disponíveis para tal aumento, embora um ou outro grupo aceite um aumento de 5$00. Uma semana depois, na praça, a “organização” entre os trabalhadores funcionou em pleno. Todos se negaram a ir para os campos se não recebessem os reclamados 40$00. De facto assim aconteceu. Os campos estavam vazios no dia seguinte e assim continuaram nos 3 dias seguintes. O ambiente politico e social torna-se tenso em Alpiarça. O posto da GNR é reforçado. A PIDE também vira as atenções para a vila e destaca o Chefe de Brigada António Rosa Casaco, um especialista em matéria de organização do Partido Comunista, para acompanhar as movimentações. O seu objectivo é, na verdade, desmantelar a organização local do P.C.P. que se julga estar a coordenar a greve.
Tenta-se então identificar “os cabecilhas”. Manuel Joaquim Barros, guarda da GNR do posto local, refere que “não conseguiu identificar nenhum dos trabalhadores rurais que tivessem procedido ao levantamento de rancho, por não os ter localizado na área. Ouviu dizer que dos indivíduos mais ativos para levar a bom termo a greve foram: Abel Pereira da Silva “Calharau”, Manuel da Conceição Elias “Serrador” e um tal “Borlota”. Na praça de jorna nota-se, de facto, a acção de António Abalada “Borlota”, mas também de António Pais Roque “O Canha”, Joaquim Figueiredo “O Tarrafalão”, António Cravina Agostinho “O António Pereira”, José Maria da Cunha “O Gaibéu”, Desidério Figueiredo “o Sapateiro”, António e Angelino Lagarto, Manuel Serrador, Luís Bravo e Silvério da Conceição Geada. Grande parte destes trabalhadores é então presa. Escapam momentaneamente apenas António e Angelino Lagarto, bem como o Joaquim Tarrafalão que conseguem escapar.
O primeiro a ser detido é António Borges Elias “Serrador”, no dia 13 de Maio; segue-se Luís Bravo e Abel Pereira da Silva a 14; depois segue para a prisão, a 15 de Maio, Silvério da Conceição Geada. António Cavaca Calarrão é preso a 20 de Maio; Manuel Conceição Elias “Manuel Serrador ou Manuel Isabelinha”, Desidério Figueiredo “Sapateiro”, João Dias Pedro “o Cegonha” e António Engrácio Pais Roque são presos a 22 de Maio; Angelino e António Cravina Agostinho “Lagarto” acabam por ser detidos a 1 de Julho e uma semana depois é a vez de Joaquim Jesus Figueiredo “o Tarrafalão”.
Todos serão libertados no dia 7 de Agosto, à excepção de Desidério “Sapateiro” a 3 de Agosto e António Cavaca Calarrão que só é libertado a 23 de Novembro.
António Malaquias Abalada “O Borlota” foi detido, segundo o relatório então elaborado pela PIDE “pelas atividades subversivas que desenvolveu conjuntamente com um grupo de rurais na sua terra, que se declararam em greve nos dias 11 a 14 de Maio de 1959...
Foi o Abalada um dos principais fomentadores e organizadores da greve em referência, encabeçando-a de forma evidente, com o objectivo de provocar uma paralisação geral nos trabalhos agrícolas...incitando nas praças de jorna de 3 e 10 de Maio, os seus companheiros, cerca de 800, a não irem trabalhar e a prosseguirem nessa luta em acompanhados das suas mulheres.”
António Abalada é julgado no dia 31 de Março de 1960 em Tribunal Plenário. O interrogatório é efectuado pelo Juiz Desembargador Silva Caldeira. Foi um julgamento rápido. Vejamos o diálogo então efectuado entre o juiz e o réu:
Juiz – Você é comunista? Não estava filiado no partido comunista?
António Abalada – Não senhor. Nada disso.
Juiz – Mas você foi à praça pedir aumento de salário.
António Abalada – Isso não é verdade.
Juiz – Mas aqui dizem que sim. Que você foi empurrar os outros para não irem trabalhar.
António Abalada – Não senhor. Não é verdade. Eu só ia a passar para o trabalho. Não fiz nada.
O advogado de defesa de Abalada, o Dr. Mário Reis diz que não se provou que o seu constituinte tenha incitado fosse quem fosse a faltar ao trabalho, por isso “pedia a absolvição. Se isso não puder ser, peço que não lhe seja aplicada pena grave”.
Foi condenado a 4 meses e meio de prisão correcional e na suspensão dos direitos políticos por 3 anos, bem como na interdição do exercício da profissão por um mês. Saiu em liberdade no dia em que foi lida a sentença, 2 de Abril de 1960, “por já ter cumprido a pena”. Além desta detenção, Abalada já tinha estado preso em 1950, de 14 de Junho a 15 de Julho, na sequência dos incidentes que levaram à morte de Alfredo Lima. Mais tarde, permaneceu na prisão de 29 de Outubro de 1963 a 8 de Março de 1969.
Mas regressemos a 1959 para dizer que a “grande missão” de António Rosa Casaca em Alpiarça, nessa altura, não era prender apenas os trabalhadores rurais que estiveram mais ativos nos piquetes de greve. O seu objetivo era mais profundo. Pretendia aniquilar definitivamente a estrutura local do Partido Comunista e do Movimento de Unidade Democrática a ele ligado, que estavam por detrás de todas as movimentações políticas na terra. Muitos dos seus dirigentes, ou maiores ativistas, irão seguir o caminho das prisões: António Curvacho Centeio é preso a 25 de Setembro; António Alcobia Chamusquenho e Olímpio Francisco Oliveira são detidos a 30 de Setembro; Francisco Concho Cardoso em 18 de Outubro e João da Silva Sanfona a 24. Pedro Lobeiro do Norte vai para a prisão a 16 de Novembro e, finalmente, é preso o funcionário do Partido Comunista Armando Domingues do Norte, na altura com 27 anos e que, como já referimos, controlava o sector de Alpiarça.
Nos anos seguintes a acção repressiva continuará com grande intensidade, sobretudo com a prisão de numerosos alpiarcenses em Outubro de 1961. Com dificuldades em controlar todas as situações que se vão acumulando e intensificando, a PIDE acaba por aqui instalar em 1965 um posto.
Serão assuntos que poderemos abordar em breve, tal como será interessante dar a conhecer os nomes mais sonantes da estrutura e das células locais do Partido Comunista nesta altura difícil
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2 comentários:

Anónimo disse...

É notável e de louvar o trabalho realizado por José João Marques Pais, ex Presidente de Junta de Freguesia de Alpiarça, em prol da nossa história local.
Não querendo aqui menorizar o valor da luta, por melhores condições de vida, que os Alpiarcenses empreenderam, não deixou de me chamar a atenção a parte do interrogatório feito pelo juiz e as respostas dadas pelo "Borlota", que depois do 25 de Abril de 1974 foi dado como corajoso militante do PCP e grande dinamizador da luta popular em Alpiarça.
Do que se depreende das respostas dadas o António Malaquias Abalada, ao contrário do que se afirmou depois de 1974, nunca pertenceu ao Partido Comunista, nunca lhe passou pela cabeça ser apoiante de tal ideologia e nos dias de greve seria um dos que o partido chamaria, na atualidade, de fura greves até porque achava que estava a ser bem pago não sendo necessário qualquer aumento de salário.
Bem vistas as coisas há aqui algo de estranho pois como dizem os camaradas "não bate a bota com a perdigota" e na hora do aperto esquecia-se o partido, a ideologia e até aqueles que eram mandados para a frente como "carne para canhão" naquela lógica muito conhecida em Alpiarça do juntemo-nos todos e vão!
Numa altura em que a palavra de ordem no partido era não ceder aos interrogatórios da PIDE, sob pena de expulsão ou outras coisas mais estranhas, não se compreende este puro e simples renegar do partido.
Compreende-se que ninguém queria ir parar à cadeia, e para isso todos os estratagemas eram válidos,mas não se compreende é que depois de Abril de 74 muitos foram chamados de "bufos" só pelo simples facto, de quando interpelados pelos agentes da policia política,talvez por medo, o mesmo medo que tiveram quem os acusava agora de "bufaria" respondiam embora, talvez, sem darem quaisquer informações de relevo!
A história talvez um dia, o dirá!

Anónimo disse...

Este apontamento vem no seguimento de um sério trabalho de pesquisa levada a cabo pelo filho adoptivo de Alpiarça, José João Marques Pais a quem endereçamos reconhecidamente os nossos cumprimentos.
Ao mesmo tempo desejamos que prossiga com o seu trabalho de verdadeira colectânea de registos históricos sobre Alpiarça e suas gentes que, estou certo, muito dignificará esta terra de "outro ver".

Leitor atento